Campeão, vencedor, maratonista. Haja fôlego para o mundo de trabalho pós-moderno. É como se a rotina oito-às-dezoito fosse um enorme treino de crossfit. Já não basta ser multitarefa, o trabalhador da era do burnout é forjado no decatlo do labor.
Acorda cedo, corre atrás do baú, anda — nada nas poças em época de chuva —, esquenta marmita, trabalha, trabalha, trabalha. Os louros? Tapinha nas costas, quadro de funcionário do mês, um Bis…
Os 99% de transpiração estão aí. Dá e sobra para ser gênio da era industrial, a depender de Thomas Edison.
Esta era dos conselhos apócrifos atribuídos a notáveis do passado e da sabedoria de placa de caminhão não resiste a uma metáfora atlética. Essas metáforas vão desde o argumento baseado na exceção à regra (o menino sem nada que se tornou o maior isso, ou recordista daquilo) à reunião motivacional.
Sempre há o chefe inadequado que vai querer estimular o proletariado a trabalhar mais, ganhando o mesmo, com o exemplo do atleta de alta performance em preparação para as Olimpíadas.
Edison já falava para a pós-modernidade, tecnicamente. Sujeito pós-iluminista, moderno, porém vanguardista. É dele a frase tão martelada em cards motivacionais pela internet que dizia “Gênio é 1% inspiração e 99% transpiração”. Esta frase teria sido publicada (não conseguir checar, daí o uso do futuro do pretérito) numa edição da publicação nova-iorquina Harper’s Monthly. Fechada para assinantes.
Mas percebo certa imprecisão, pois há quem tenha escrito que era uma entrevista de Edison para a revista publicada em 1932. Ele morrera em 1931. Entrevista póstuma, que estava engavetada? Sei lá.
Decerto a frase de Edison, que era um inventor, cabe à ideologia reinante na época. Ficou milionário porque, além de inventar, registrou um monte de patentes (foi essa a grande sacada dele, transpiração?).
Afinal, invenção mesmo não existe assim, espontânea, de um homem só. Toda grande invenção é coletiva, fruto da combinação de esforços e de conhecimentos preexistentes. Há muito mais de inspiração nessa conta.
Mas foi a transpiração a eleita símbolo do capitalismo pós-industrial, mais forte do que nunca. A modernidade deu luz ao self-made man e ao espírito meritocrático, principalmente nas sociedades fundadas sobre colonização e mão-de-obra escrava, como nas Américas.
O trabalho duro virou a máxima da construção simbólica do american way of life. E, mais uma vez, para comprová-lo, se recorre às exceções, senão apenas à falsidade ideológica mesmo, para justificar a transpiração de tantos herdeiros que “constroem” pequenos impérios empresariais ou, simplesmente, compõem a grande massa de gente branca favorecida pela interseccionalidade.
Edison esqueceu de adicionar esta variável na conta. Mas tudo bem. O pior veio agora, quando a frase de Edison já mudou de 1% para 2% e até para 10%, a depender do argumento de cada evangelista da meritocracia.
Foi assim que a famosa frase saiu de um lampejo de admoestação para escarro de coach treinado em frente ao espelho durante o pós-barba. Prega-se superação, vitória, conquista e, acima de tudo, sucesso.
Tudo isso vem só com a ralação, após acender uma luzinha no córtex frontal?
Ainda mais o coach, que usa basicamente 99% de inspiração do ChatGPT 4.0, com um monte de frase feita e um par de cursos de outros coaches que ensinam coaches a serem coaches mais convincentes. Num cai uma gota de suor, não forma nem pizza no sovaco. O sucesso é autodeclarado.
Escutas gastronômicas
Aproveito o trabalho que a barista — e, desde sexta-feira, também comunicóloga — Luiza Dantas realizou para seu TCC, no curso de Comunicação Organizacional, na UnB, para inaugurar o nosso novo quadro esta semana (exclusivo para assinantes do plano pago): Escutas gastronômicas*.
Este será mais um conteúdo que vamos entregar mensalmente, revezando com o Leituras gastronômicas (resenhas de livros temáticos) e o Sessões gastronômicas (resenhas de filmes e séries).
Portanto, este aqui é apenas um aperitivo do quadro que vai sempre trazer recomendações de três podcasts sobre café ou de alguma coisa do universo enogastronômico.
Em ComuniCoffee, como o próprio nome sugere, Luiza busca mostrar tanto a potência de comunicação da experiência sensorial do café como também comunicar sobre o café especial para o público. Voltado para amantes do café (ou coffee lovers, como muito dos cofficers aqui), o podcast recorre a elementos sonoros que aludem ao universo das cafeterias (moagem, grãos derramados em um pote, café sendo servido ou bebericado…) para abraçar entrevistas em profundidade com especialistas do métier.
O primeiro convidado, no episódio piloto “Além das fronteiras do café: uma jornada sensorial”, é Bruno Lucena. Publicitário, saiu do curso defendendo um TCC sobre a gourmetização do café, mas foi parar atrás do balcão como barista… lá na Polônia.
Ouça aqui o episódio.
*Escutas gastronômicas será enviado nesta quarta, 20, para assinantes pagos de Coffice.
Coffice da semana: La Chicra Café (DF)
Antes denominado Baka Colaborativa, este ponto no Guará II (DF) assumiu no início deste ano a nova pecha: La Chicra Café. O nome mais sugestivo indica mais um destino bacana para nossa comunidade Coffice. Embora não seja uma casa de cafés especiais, a nova identidade se aproximou mais do serviço de barismo profissional. Você encontra lá bons preparos, sobretudo do coado servido na térmica, com grãos Minelis, que é bem digno.
Mas a casa tem um perfil mais eclético, voltado também para a happy hour (com carta de drinques) e um serviço de jantar, estilo bistrô, mais cedo (fecha 21h). Se for sentar lá para trabalhar, antes passe no nosso manual de boas práticas para não fazer feio.