Modos de usar
Um pequeno manual de boas práticas para cafeterias e clientes que as utilizam para trabalho remoto
A experiência do coffice não deve replicar o sistema cara-crachá do office. Também não deve ser a intenção desta modalidade fazer um puxadinho da home, dos pijamas com visitas sistemáticas à geladeira motivadas pela procrastinação ou pelo tédio. Os modos de usar de um coffice não estão detalhados em termos formais. Passam, portanto, pelo grande contrato social que rege (ou deveria reger) a maior parte das nossas interações: o bom senso.
Como se comportar em um coffice? Quais são os “deveres” da cafeteria (o coffice) e dos fregueses (os, vai lá, “cofficers”)?
Aqui trago um pequeno manual de boas práticas acerca do trabalho remoto a ser adotado neste sistema de "home" office, só que praticado exclusivamente em cafeterias - ou quaisquer outros estabelecimentos de alimentação apropriados para clientes se acomodarem com materiais de trabalho, estudo ou lazer.
Manual para clientes
Consuma alguma coisa
Todo negócio de restauração (restaurantes, bares, cafés…) é uma iniciativa comercial privada, mas de função pública. Portanto, via de regra, qualquer pessoa é bem-vinda. No entanto, espera-se que se consuma algo. Não precisa ser uma refeição enorme. Uma xícara de espresso pode ser o suficiente, desde que proporcional à sua estada no local.
Conheça a proposta da casa
Antes de se instalar, pesquise sobre a casa, horário de funcionamento, eventos especiais. Chegou de improviso? Observe bem. Não tem tomada próxima às mesas? Não tem wi-fi? Só tem três mesinhas ou um balcão? Simples, não é um coffice. Não exija que toda cafeteria seja adequada para o seu nomadismo digital.
Aproveite os períodos de ociosidade
Uma cafeteria pode servir café da manhã, talvez almoço, às vezes brunch ou chá da tarde. Evite estar ali nesses momentos de maior demanda. Não sabia? Atente-se ao movimento. Começou a lotar e você está ali faz tempo? Considere ceder lugar. Todo estabelecimento tem períodos considerados de maior ociosidade. Descubra-os e aproveite. É bom pra todo mundo.
Demore a julgar
Não olhe torto para a pessoa que abre o PC para trabalhar, ainda mais se o local for adequado ou planejado para atender cofficers. Também não faça o mesmo para quem está ali só para ficar de boa. Lembre-se que o coffice não é um coworking. Não julgue a permanência das pessoas. Você chegou agora e não sabe se a pessoa está trabalhando ou estudando ali faz 3 horas ou 3 minutos. Tome conta da sua vida.
Recomende
Gostou do local? Volte, siga nas redes sociais. Não pode voltar? Recomende pras outras pessoas, compartilhe.
Manual para cafeterias
Considere o cliente
Pessoas vão ao seu negócio para trabalhar ou estudar. Queira você ou não. As tomadas e o wi-fi grátis estão ali pra servir a esse propósito. Trate a pessoas que chega abrindo o computador e pedindo a senha como cliente regulares. Aliás, um cliente com grandes chances de ser fidelizado. Ofereça água da casa.
Tenha uma proposta clara
Pense sua distribuição de mesas e cadeiras. Tenha postos maiores para reservar a grupos que possam chegar. E tenha mesas individuais (ou pra dois) em pontos estratégicos que atraiam para lá o cofficer. Ah, não quero essa gente nômade por aqui? Comunique-se e posicione-se corretamente diante da audiência.
Abra um canal franco de conversa
Sabe que a casa vai encher em breve? Recebeu reservas grandes, vai sediar um pequeno evento por lá ou sabe que o fim de tarde é concorrido? Alerte gentilmente de antemão ao cliente que sentou ali para trabalhar. Não se furte a indicar as guloseimas e especialidades da casa frequentemente.
Bom senso é tudo (e este vale para todos)
Por exemplo: aceite trocar de lugar, caso alguém precise e esteja longe da tomada que está do seu lado sem ser usada. Mas o café lotou, estou na espera com três mesas individuais ocupadas por gente trabalhando? Que chato! Mande essa galera assinar a newsletter ;)
Tá pago?
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Agora vamos às news:
Saudação à memória boêmia
Assim que ficou pronto o curta-metragem Mercearias de Beagá, dirigido por Marcos Lôndero e Nani Rodrigues, a amiga e produtora de audiovisual responsável pelo projeto, Dani Fernandes, da Le Petit, me enviou o link do filme. Idealizado pelo boêmio, jornalista e curador gastronômico Nenel Neto, do Baixa Gastronomia, o curta reúne melancolia, doçura, humor, poesia e faz uma baita contribuição para a preservação da memória desses antiquados, porém pulsantes, comércios em Minas conhecidos como mercearias.
A condução de Nenel como narrador apresenta-se equilibrada, entre a espontaneidade costumaz e a sensibilidade para o exercício da escuta, pois não tira o protagonismo dos comerciantes entrevistados.
Primeira coisa que fiz após assistir foi garantir à Dani que é um filme obrigatório para a próxima edição do Matula Film Festival, o qual assino a curadoria e está em fase de captação de recursos. Enquanto isso, acionei o mestre e colega Sérgio Moriconi, curador do Slow Filme - Festival Internacional de Cinema e Alimentação, o evento precursor no Brasil em colocar a comida na tela. Ele - como já imaginava - adorou. “Divertidíssimo”, “bem construído”, argumentou.
Pois o filme foi exibido na telona do Cine Brasília, na programação oficial da 11ª edição do Slow Filme, na sexta passada. De BH, essa metrópole da boêmia, para Brasília, a dita cidade sem esquinas (“portanto sem bares”, diziam), o filme teve uma sessão um tanto vazia pelo ingrato horário das 16h, porém marcante.
A projeção foi dedicada à memória de Jorge Ferreira (1959-2013), o maior fomentador da boêmia que a capital federal já teve, o feiticeiro que deu esquinas a Brasília, a contragosto do projeto urbanístico - ao qual também se dedicou a preservar e valorizar.
Mineiro radicado no Planalto Central, Jorge era um agitador cultural, envolvido na luta sindical, que fundou 12 bares, dentre eles meu antigo reduto afetivo, o Feitiço Mineiro, e o memorável empreendimento Mercado Municipal, um enorme misto de armazém, mercearia e botequim no meio da decadente avenida W3 Sul. Ao menos o destino do belo espaço mantém a vocação gastronômica. Cafeteria ao resgate! O endereço abriga hoje o Mercado do Café. Infelizmente não se configura como um coffice - quem sabe em breve colocarão um wi-fi bacana por lá?
Será que a boêmia brasiliense ficou mais hipster, encaretou? Assunto pra outra newsletter.
Coffee of the Year
A exemplo do queijo, o café brasileiro vive nesta última década um processo de reaproximação mais coerente do mercado internacional com o que há de melhor na nossa produção.
Explico: a referência de café para o mundo, desde as capitanias hereditárias, era de commodities. Ainda é na grande escala. O café tipo exportação. Falamos desse café de torra escura horroroso, que leva galho, folha, inseto e chega à xícara com notas amargas de pesadelo, coloração esverdeado-escura de lobby político e aroma defumado de desmatamento. Pois nosso café é melhor que os exemplos da grande indústria, sempre a serviço do PIB, mas sem compromisso em alimentar o POVO.
Daí iniciativas como o Coffee of the Year Brasil, concurso e ambiente de negócios promovido pela Semana Internacional do Café - SIC, a pautarem esse necessário debate técnico e qualificado sobre a nossa produção de fato. De fato, eu repito didaticamente, pois não falamos de marcas de café, mas de produções com lastro real e transparente. O evento consiste em reconhecer esses produtores e produtoras nacionais, pensando em toda a sustentabilidade gerada por uma cadeia produtiva comprometida com as melhores práticas.
Neste ano, produtores de café têm até o dia 1º de outubro para enviar a amostra para a competição. A premiação ocorre entre 16 e 18 de novembro, no Expominas, em Belo Horizonte (MG). Mais informações: semanainternacionaldocafe.com.br.
Café di Preto
Que maravilha conhecer a história do fundador e mestre de torra do Café di Preto, Raphael Brandão, na última edição da newsletter fogo baixo, em ótima entrevista conduzida pela autora Flávia Schiochet.
Forte a mensagem que o Raphael deixa lá: "Todo café produzido por pessoas pretas acaba sendo um microlote". Leitura imprescindível.
Comida de Pensar
Interrompemos a nossa programação para lembrar que o meu curso Comida de Pensar - Imersão nas Ciências Gastronômicas começa nesta quinta (1º) e segue por todas as quintas de setembro, online e ao vivo, sempre às 19h, com aulas gravadas para quem perdeu alguma. É um curso que vale para todas as pessoas interessadas em conhecer a gastronomia por outros olhares, recebendo uma formação teórica que provavelmente você não encontra nos cursos de gastronomia. Mas não é só para quem é do ramo. Passou pelo Comida de Pensar gente das mais variadas formações (Antropologia, Psicologia, Comunicação, Ciência Política, Arquitetura, Design, Direito, Nutrição, Medicina, Moda, Sociologia e muito mais). Emite certificado. E assinantes anuais da newsletter têm 10% de desconto na inscrição. Fica a dica.
Coffice do dia
Gosto dos pequenos cenários bucólicos proporcionado pelas paisagens urbano-silvestres das cidades. A depender da época do ano é preciso um contrato com os mosquitos - tenho levado repelente para a cafeteria muitas vezes, veja você. Mas esta estiagem brasiliense, do coffice de onde escrevo, está favorável para um café e sombra fresca.
A indicação de hoje é para quem, como eu, valoriza um ar fresco e muito verde: Quanto Café, em Brasília, na 103 Norte. Esse ambiente em muito se deve à visível dedicação de Lina dos Santos, uma das proprietárias, a cuidar, regar, podar e fazer toda a direção de arte ao redor do deck sobre o qual repousam as mesas e algumas cadeirinhas de praia - bem hipster isso, né? Acho legal. A casa ampliou com um espaço ao lado, que funciona como minigaleria de arte e loja de plantas.
Na xícara, enquanto escrevia exalava o aroma intenso de chocolate e açúcar mascavo de um microlote de Patrocínio, no Cerrado Mineiro, da produtora Beatriz Guimarães. O método de escolha foi um aeropress. Veio por engano em versão gelada - mas em seguida a correção servida em uma das belíssimas peças de louça rústica da casa. A experiência foi ótima ao final, pois acho que nunca pediria um aeropress gelado (que é bem diferente do cold brew). Curiosamente, o chocolate se sobressai no modo quente, enquanto o dulçor se potencializa com a temperatura baixa, de pouquíssimo amargor, quase um iced tea.
Do lado de trás, o Quanto mantém a torrefação, cuidada mais de perto por outro sócio, o barista Gustavo Pimentel. O trabalho de seleção e extração dos cafés é um primor. Funciona bem como escritório, mas com algumas ressalvas. Há poucas mesas próximas a tomadas, tem um wi-fi bem bom, água da casa, ótimas instalações e um pão de cacau que já vale a visita.
Na trilha sonora há desde MPB contemporânea a um roquezinho alternativo. Não muito alto. Um lugar muito aprazível para reuniões de trabalho ou para momentos de leitura e de estudos, se o evadir dos calangos por entre folhas secas não for um problema.
E você? Onde pratica o coffice?
Este espaço é seu. Toda semana trazemos indicações de coffices e você pode estar à vontade para contribuir com pequenas resenhas ou simples indicações de coffices de qualquer parte do mundo. Basta mandar por e-mail o texto e uma foto que não esteja protegida por direitos autorais (constando a expressa autorização de uso) que publicaremos. Não se esqueça de observar se a cafeteria atende às características básicas para tal.
Que honra ter minha news citada! Muito obrigada por isso.
Estou rindo largamente desse trecho (com um pouquinho de lágrimas nos olhos, é verdade): "café de torra escura horroroso, que leva galho, folha, inseto e chega à xícara com notas amargas de pesadelo, coloração esverdeado-escura de lobby político e aroma defumado de desmatamento."
Muito interessante esse manual para cafeterias e clientes, embora se eu fosse dono de um estabelecimento desses certamente me desesperaria com os folgados que o teriam como escritório, sem nada consumir.