Sessões gastronômicas
Produções audiovisuais provocativas para degustar e pensar sobre o mercado profissional dos restaurantes e chefs de cozinha
Nessa newsletter especial para assinantes pagos separo novas (e novíssimas) produções gastronômicas imperdíveis que estão nos cinemas ou nos canais de streaming. Nesta última década o mundo da produção audiovisual cunhou o imperativo gastronômico, deste jeito, quase como um gênero cinematográfico pari passu com a ficção científica ou a comédia dramática. Obviamente é mais uma categorização algorítmica do que de fato um gênero - como acontecia nas videolocadoras (r.i.p.) com o “gênero” nacional, para designar as produções brasileiras e o internacional para tudo aquilo que não era hollywoodiano.
Vamos passar por uma série, dois filmes de cinema e um longa-metragem no streaming muito gastronômico, mas de revirar o estômago e perturbar a cabeça. Vamos a eles. Anotem aí:
O Urso (Starplus)
Esta foi a grande produção gastronômica de 2022, a meu ver. Um elenco afiadíssimo, texto muito maduro, fuga de lugares-comuns tanto para apresentar a comida de forma mais visceral como para evitar o caminho bobo das comédias românticas de cozinha profissional. O Urso consegue colocar em cena uma discussão muito apropriada sobre a dicotomia do universo gastronômico dos restaurantes estrelados vs a vida real do pequeno negócio, que precisa cortas custos, inclusive na qualidade dos ingredientes. Isso é coisa que o Urso, apelido do chef Carmen Berzatto (Jeremy Allen White) não consegue fazer. Ele precis deixar uma cozinha Michelin em Nova York para assumir a bagunça (e as dívidas) da lanchonete do irmão recém-falecido, em Chicago. Tem uma vibe bem Uncut Gems, frenética, barulhenta, com muita gritaria e uma mise-en-scène irreparável.
O Menu (em cartaz nos cinemas e, em breve no Starplus)
Suspense e comida têm muito a ver. Alguns dos meus favoritos filmes gastronômicos habitam esse lugar do thriller e se esgueiram até o horror (caso de Estômago e O Cozinheiro, o Ladrão, Sua Mulher e o Amante). Menu entra para esta lista. É frontalmente uma obra interessada em explorar o mundo da chamada alta gastronomia, considerando que parte da premissa de um jovem casal (a sempre incrível Anya Taylor-Joy e Nicholas Hoult) a viajar para uma remota ilha só para participar de um jantar luxuoso comandado pelo chef Slowick (Ralph Fiennes, que não é nenhum estranho a aventuras soturnas como esta). Quanto menos spoiler melhor para a experiência.
O Chef (disponivel para locação em Apple TV e Prime Video)
Péssima e preguiçosamente traduzido como O Chef, o filme britânico Boiling Point (ponto de ebulição), do diretor Philip Barantini, carrega no seu título original todo seu conceito. Lembra muito a série do Urso, por tratar de um chef à beira de um ataque de nervos (ou melhor, em um ataque de nervos). Mais uma vez, uma produção gastronômica mais interessada em fazer cinema (o que é ótimo). Trata-se de um eletrizante e dramático registro em um único plano-sequência de um dia infernal na vida de um chef de cozinha, brilhantemente interpretado pelo talentoso ator inglês Stephen Graham (Snatch, Rocketman, Orthodox). Um impressionante, porém, fiel retrato de que não há glamour na cozinha profissional, contato por meio de um thriller de se perder o fôlego.
Fresh (Starplus)
Cinema é linguagem. E a diretora americana Mimi Cave faz uma surpreendente estreia na direção de um longa-metragem pensando na potência estilística do cinema, além de poderosa discussão social e feminista. O filme parte de uma premissa um tanto clichê para filmes de terror com stalker, com a sacada de uma trilha sonora de Alex Somers muito irônica. A gente sabe, do lado de cá, que vai dar ruim, quando Noa (Daisy Edgar-Jones) se engaja num relacionamento com um perfeito estranho chamado Steve (Sebastian Stan). Sobre o enredo, paro por aqui, pois quanto menos souberem, melhor. O fato de ser um filme um tanto quanto gastronômico é uma questão já polêmica por si. Digo apenas isto: há um prato que custa US$ 30 mil.
A Brigada da Chef (em cartaz nos cinemas)
Ainda não assisti a este filme francês, dirigido por Louis-Julien Petit. Acabou de ter uma pré-estreia e deve entrar em cartaz a partir desta semana. Coloco nesta lista pois tem bem o clima de Natal. Na contramão do citado anteriormente, esta comédia dramática carrega uma premissa semelhante a de O Urso, pois trata de uma chef de cozinha (sous chef, na verdade) que sai de um restaurante estrelado Michelin para outra missão imposta pela vida. Neste caso, ela vai ensinar cozinha a jovens imigrantes ilegais.