Esta edição foi escrita acompanhada de um Candy Orange coado, um café de variedade mundo novo do Cerrado Mineiro, produzido por Edu Melo, processado por fermentação anaeróbica e torrado pelo Jacket Café
São muitos os tipos de assalto aos quais estamos expostos no dia a dia do trabalho. Um novo gatilho me veio quando da notícia de que o sócio de um restaurante de Brasília que paga de grã-fino, teria resolvido servir um prato com notas de assédio moral, temperado com ameças, salpicado de intimidações, tudo aromatizado com o bodum do fascismo. Um dos funcionários prestou queixa de que o patrão passou a andar com arma na cintura, à vista, para chamar atenção dos empregados. Deixemos as autoridades apurarem os pormenores — verdade é que o camarada já era conhecido por fazer arminha com a mão antes disso.
Sabe aquela caneta Bic da firma? É o grande teste moral do início de carreira de quem passa por alguma experiência de trabalho em escritório. Já levou uma pra casa meio sem querer e foi ficando? Não estou aqui para julgar, tá gente? Só conto as histórias. Aliás, esta edição foi enviesadamente inspirada por uma das ótimas tramas narradas pela Déia Freitas, no podcast Picolé de Limão, do Não Inviabilize, um das melhores, aliás: Faqueiro de Pônei.
O limiar ético desce a escada da deontologia toda vez que a gente se depara com novos dilemas. Nem tudo está escrito em forma de lei ou de código de conduta tin-tin-por-tin-tin. Afinal, crimes como assédio moral foram tipificados como tais um tanto recentemente. Este seria um dos mais sérios e corriqueiros assaltos ao trabalhador., sobretudo à trabalhadora (também muito exposta ao assédio sexual).
Falar sobre trabalho é falar também sobre a subjugação da ponta mais frágil da relação trabalhista, o trabalhador, que já teve assaltado parte de seus direitos trabalhistas, por exemplo poucos anos atrás. Mas também fomos assaltados pelo cliente mau pagador, pelo fornecedor irresponsável, pelo prestador de serviços enrolão. Essa lista inclui geral: do patrão ao empregado. E tem ainda o trabalhador que se assalta! Leiam sobre essa autoexploração na edição CEO de MEI.
Assaltar também significa pegar de surpresa. Quem acompanha Coffice sabe que sou jornalista. Nesta nossa profissão aqui, somos tomados de assalto o tempo todo e historicamente em grandes bolsões de passaralhos — termo informal para demissão em massa. Escapei de alguns tantos pela minha carreira. Recentemente, no mercado jornalístico tivemos dois grandes eventos do tipo: CNN Brasil em dezembro de 2022 e a TV Globo, no mês passado.
Mas tive minha experiência na iniciativa privada de ser convidado a sair da empresa. Em tempo: acho incríveis esses termos cunhados pela gestão de pessoas. No meu primeiro emprego por salário na vid, o chefe falou que iria me “dispensar nessas férias” (era firma de cursos de inglês). Daí voltei a trabalhar em fevereiro. Meu batismo nas águas dos eufemismos do mundo corporativo, aos 18 anos.
Tempos depois tive uma nova (e inédita) experiencia. Quando trabalhava de crítico gastronômico na Veja Brasília, da Editora Abril, nosso diretor de redação reuniu toda a equipe pela manhã, já devidamente guarnecido de representantes do RH, e anunciou:
— Esta é nossa última edição. A partir de hoje estamos todos demitidos, inclusive eu.
Foi um assalto interessante, esse de todo mundo estar literalmente no mesmo barco. Há um conforto na coletividade, que nem arrastão no ônibus. Os caras levam tudo de todo mundo. Mas dói e traumatiza, mesmo assim.
Na vida do trabalhador remoto, que vive de bico, nossas e nossos cofficers, há um fenômeno razoavelmente novo, chamado quiet firing, quando você é demitido do job sem nem saber. Simplesmente param de lhe demandar e, como muitas vezes não há contrato (ou há apenas para atividades pontuais), você foi dispensado e não percebeu.
No morde e assopra da vida, a gente assalta e é assaltado o tempo todo. Roubamos tempo da firma e a firma de nós — há um mar de casos de humilhações sofridas, sobretudo por grandes redes más pagadoras, como uma de fast-food e outra de e-commerce a não permitir ao funcionário nem licença para o banheiro.
Se eu fosse bom influencer, teria transformado este texto numa caixinha de perguntas na rede social para vocês me contarem os casos que sofreram no trabalho. Mas suspeito que, quem chegou até aqui, aproveitou melhor a conversa, certo?
Coffice da semana: Clandestino (DF)

Incrível como demorei tanto tempo em mencionar por aqui uma das cafeterias que mais frequentava (porque agora vou cada semana a uma diferente), e uma das onde mais passei meus dias escrevendo antes da pandemia. O Café Clandestino, na 413 Norte, em Brasília, é uma das melhores cafeterias que você vai encontrar por aí (café + comida + serviço). Não necessariamente a mais confortável, mas o suficiente para um bom dia de coffice, plugado, com Wi-Fi, água da casa direto do filtro de carvão ativado e, claro, ótimo serviço de barismo — puxo o saco mesmo, pois foi onde conheci minha hoje amiga Mari Mesquita, barista e maga da mixologia, então barista e gerente da casa.
À época da inauguração, não lembro se 2013 ou 14, a casa surgia timidamente. Quase clandestinamente, embora a inspiração não faça referência geográfica, como o movimento hipster-entrepreneur poderia propor, tipo numa fábrica abandonada, ou num subsolo supercool.
O tema vem das linhas de Clarice Lispector — eita, acabo de ser “assaltado” pela percepção de que são duas as cafeterias inspiradas pela autora brasileira-ucraniana, sendo a segunda mais literal na homenagem (chama-se Clarice Café). Baseia-se no conto-título da coletânea Felicidade Clandestina, publicada em 1971. Nele, Clarice discorre sobre a sensação de ler um livro há muito antecipado, fazendo um jogo de autoengano para prorrogar a sensação de felicidade quando o encontrasse. Uma felicidade clandestina, à qual ela não teria direito a ter plenamente. “A felicidade sempre seria clandestina para mim”.
Ah, sim, já ia esquecendo da resenha: bolinhos ótimos (o de cenoura com calda de brigadeiro branco com manjericão é uma pedida das mais legais), torradas com bons ingredientes, brunch aos sábados, pão de queijo quentinho. Ah, e aproveite para ficar na companhia de uma das melhores trilhas sonoras da cidade. Local bem legal de ficar de boas também, virado para o cerradão, no Parque Olhos d’Água.
Adorei essa news! Sofri muito em um trabalho anterior, do qual pedi demissão devido a burnouts e especialmente falta de compreensão e perspectiva. Acho que a falta de perspectiva de que as coisas melhorem é algo extremamente deprimente e opressor, e é um tema ainda pouco falado, diante da variedade de abusos e assédios graves aos quais infelizmente estamos acostumados a ouvir por aí. Adorei a perspectiva de ser tomado de assalto - e acho que esse elemento surpresa é super sádico, faz parte do combo da tragédia kkkrying