Vamos conversar sobre quiet quitting?
A chamada "demissão silenciosa" expõe novas camadas da precarização do trabalho e da estafa do trabalhador no século 21
Esta edição foi escrita acompanhada de um catucaí Tozan, da fazenda Baú, de Tomio Fukuda, no Cerrado Mineiro. O método sugerido pela barista: aeropress.
É, gente. Remote first, agora quiet quitting. Tem que escrever logo em inglês essa newsletter, né?
Isso porque as redes ficaram em polvorosa após alguns veículos de imprensa trazerem a questão dessa “demissão silenciosa”. Quiet quitting, ou melhor: “desistência silenciosa”. O termo em inglês ajuda mais, porque por aqui usamos demissão tanto para o empregado que pede as contas como para o patrão que dispensa. Pois este quiet quitting é um fenômeno que nasce com sua contraparte: o quiet firing (a demissão silenciosa por parte da firma.
Quis trazer essa conversa para nosso coffice hoje, porque não só tem tudo a ver com o trabalho remoto, como em muitos casos é o motivo pelo qual esse modelo se populariza cada vez mais - para o bem ou para o mal.
Antes, para explicar melhor cada termo, deixe-me recorrer a algumas ilustrações:
Quiet quitting (desistência silenciosa): refere-se ao empregado que faz só aquilo para o que fora contratado, nem uma vírgula a mais. A grande crítica, que reitera o óbvio ululante, é que este funcionário faz o certo. Afinal, a empresa não está, por outro lado, pagando mais do que o combinado. Então o sujeito se acomoda em um posto e esta atitude o levaria a ser paulatinamente esquecido dentro da estrutura da empresa a ponto de estar cada vez mais vulnerável à demissão, portanto, é como se estivesse desistindo de “lutar pelo emprego”. Como se um emprego já não fosse luta suficiente.
A figura do vendedor de papel Jim Halpert (John Krasinski) na série The Office é um bom exemplo deste sujeito que costuma encenar morrer de tédio no meio do expediente.
Quiet firing (dispensa silenciosa): refere-se ao empregador que, de forma semelhante, não oportuniza nada a seus “colaboradores” (parabéns ao rh que cunhou esse eufemismo hipócrita). Ou seja, contrata-se, mas recusa conceder feedbacks, não permite ao funcionário que se envolva em outras atividades da empresa e o mantém em tamanha distância do organograma, que sequer precisa dispensá-lo. Apenas vai, aos poucos, parando de passar trabalho (e com isso dinheiro) até que a fonte seca.
Observe, essas questões não se encaixam, naturalmente, em sistemas trabalhistas específicos - caso da CLT brasileira e do serviço público efetivo.
Viemos de uma geração marcada pela necessidade de “mostrar serviço”, da máxima weberiana de que o “trabalho dignifica o homem”. Era um contexto em que, supostamente, quanto mais se fazia, mais se recompensava. A proatividade se tornou uma máxima dos recursos humanos, para designar uma das virtudes do empregado. E, com ela, a meritocracia surgiria como galardão a recompensar o exercício de tal condão.
O quiet quitting é um fenômeno que demonstra a falência dos modelos de trabalho e empreendedorismo clássicos - e aponta para uma problemática para os novos. Se antes, lidávamos com o trabalhador workaholic disposto a estourar o banco de horas, hoje temos uma falta de limites para quando esse empregado está disponível.
Este termo nasce (embora seu uso venha ao menos desde a década de 1990) a reboque das grandes doenças deste século, igualmente silenciosas: a depressão, a ansiedade, os transtornos de atenção e apreensão, o pânico…
O filósofo Byung Cul-Han foi muito assertivo ao dizer que “hoje o indivíduo se explora e acredita que isso é realização”.
Agora, vamos às news…
Selfie de comida e o iFood
Costumo falar em minhas aulas de comunicação gastronômica sobre como o impulso de se registrar fotos de pratos de comida remontam à era de ouro das artes nos Países Baixos (entre os séculso 16 e 18). A comida foi, por muitas vezes, a musa desses artistas - chegando até pós-impressionistas (Cézanne e Van Gogh).
O Instagram renovou o interesse pela natureza-morta (a ponto, obviamente, como tudo, banalizá-la). Não sei se vocês se lembram da era primitiva desta rede: selfie de comida bombava. Agora virou cringe. Menos para os marqueteiros afoitos das foodtechs. Veja só esta nova (ao menos pra mim) do iFood: criar um feed próprio no aplicativo. Mais um para você perder o tempo distraído, enquanto o dedo arrasta sobe a tela. Nesta proposta, o iFood se torna mais um lugar para as empresas dependentes de seus serviços agora produzam conteúdo gratuito para ela. Aliás, capaz de pagarem em troca de maior destaque.
Mais uma rede significa mais um sistema algorítmico para se compreender, testar, analisar dados, repensar estratégia, subjugados por uma armadilha que torna o restaurante refém do aplicativo. Aqui, sim, a foto gera engajamento. Ainda. O fato é que a comida mesmo tem cada vez menos importância.
Nas tetas do sucesso
Dia desses fui ao Teta Cheese Bar, o primeiro (e ainda único) bar de queijos de Brasília. A Marina Cavechia, uma das sócias e a queijista da casa, não estava e papeei com o André Vasquez, o sócio que agiliza as bebidas. Fiquei na maior vontade de provar uma sequência de mini negronis que está pra entrar no cardápio.
Mas Marina não estava, pois participava do Mundial do Queijo do Brasil, finalizado ontem em São Paulo. Pois num é que a mulher volta pras tetas de sua cidade, brasília, com o troféu de melhor queijista do Brasil na mão?
Bom explicar: o trabalho da queijista não pode ser confundido com o da queijeira, quem faz o queijo. Queijista é uma atividade menos conhecida ou até praticada efetivamente no Brasil. Esta é a pessoa responsável por servir o queijo, tarefa das mais importantes para a formação do consumidor final. Agora Marina vai para a França disputar com o resto do mundo.
Coficce do dia: Los Baristas
Tomar um café não sugere necessariamente o envolvimento desse precioso sumo defumado.
Pode significar a primeira refeição: o café da manhã, abreviado como… o café. E que pode dispensar o café, aliás.
Ou ser a desculpa para dar uma volta e saber das fofocas da firma: me conta ali. Aonde? No café. E ninguém precisou tomar, de fato, um café para ficar sabendo. Às vezes é água.
Também designa um encontro social ou profissional. A gente marca um café. E que pode ser num restaurante, num escritório, em casa. Se brincar, sem nem café.
A ousadia de Vitor Ávila e Heloisa Checheliski foi de, no ano de 2015, abrir uma cafeteria que tinha como oferta principal do cardápio simplesmente… café. O nome: Los Baristas, situado na 404 Norte de Brasília. O menu de comidinhas era rigorosamente coadjuvante. O balcão - ainda lá - é o melhor convite para quem quer aprender sobre café, degustar ou obter um dos melhores serviços de barismo da cidade. Aliás o Los Baristas agora abriu uma pequena estação dentro da forneria Dona Lenha, na 202 Sul.
Vitor e Heloisa tratam desde a compra dos grãos, passando pela torrefação e desaguando na xícara perfeita entregue. Água da casa em autosserviço é sempre aquele diferencial para quem pratica o coffice. Wi-fi bom e estável, pontos de energia estratégicos para mesas menores. Algumas maiores para reuniões. Dá pra trabalhar até no balcão, se você tiver lombar para tal aventura.
Adorei a leitura 🥰
Trabalhei do Los Baristas essa semana; até tomada no teto o pessoal agilizou!
Cada leva de kombuchas deles me surpreende e ouso dizer que vale ir mesmo sem tomar o café ( idosa que sou, depois das 16h não posso mais).