Esta edição foi escrita acompanhada de um cold brew (pelo trocadilho)
Hoje, além do método de café que tomei, trago outra nota de abertura: esta edição foi postergada há meses. Estava lá nos rascunhos da plataforma, sob o título de “Procrastinação”. Toda semana olho na minha programação de pautas e, até ontem, o olhar sempre furtivo lançado a este rascunho tomou coragem de encará-lo de frente. Não sem antes procrastinar no arremate do texto, estendido até os últimos minutos da noite de domingo.
Resolvi abordar este tema depois de pagar 18 reais num café e deixá-lo esfriar. Arruinei o café por pura procrastinação. Procrastinar é viver perigosamente. “Não precisa ser agora”; “daqui pouco”; “ainda dá tempo”; “acho que aguenta mais um pouquinho”. Estica a corda, estica a corda. E muitas vezes vem a conta. Neste caso, a do café. FRIO! E caro.
Procrastinação, por muitos anos, é tratada apenas como transtorno, condição tóxica de comportamento ou sintoma de um estado mental em que o ser humano se deixa aprisionar em pensamento - não necessariamente por preguiça, mas até por desinteresse. Enfim, passou a ser observada como um traço mais evidente das gerações millenials e pós-millenials, com sua natureza cada vez mais efêmera e desatenta.
Há um livro da pesquisadora Claudia Feitosa-Santana que se empenha em entender o fenômeno da procrastinação e apontar para razões neurocientíficas de como superá-la. Na obra “Eu controlo como me sinto: Como a neurociência pode ajudar você a construir uma vida mais feliz”, Claudia oferece uma explicação darwiniana para essa condição, uma vez que o cérebro humano tende a fazer escolhas a partir dos benefícios imediatos e não da satisfação futura - o que pode acarretar sérias crises de ansiedade, problemas de autoestima, etc.
Mas nem tudo é patologia quando falamos de procrastinação. A história dá conta de gênios ou intelectuais e artistas de renome, desde Março Aurélio a Margaret Atwood, serem notórios procrastinadores. Mas isso não significa uma relação pacífica com a cobrança social e a luta contra o córtex pré-frontal, capazes de nos chamar à responsabilidade e ao planejamento.
“Pense em todos os seus anos de procrastinação; em como os deuses reiteradamente lhe deram novos períodos de graça, dos quais você não tirou vantagem. É hora de entender a natureza do universo ao qual você pertence e do Poder controlador do qual você descende; e entender que seu tempo é limitado. Então use-o para se esclarecer; senão ele se esvai e nunca mais estará sob seu poder novamente”
Marco Aurélio, Meditações II
O famoso bordão apócrifo de “não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje” não é suficiente para reparar a intensidade e o volume de afazeres e de arranjos mentais da sociedade da performance (desempenho), sobre a qual falamos nas edições anteriores. A procrastinação se tornou imperativo de produtividade também.
Estudos sobre a química do nosso cérebro dão conta desta centelha, deste boost de energia, que nos estimula a conseguir rápida e exitosamente resolver as coisas no último minuto. A explicação para a alta produtividade na procrastinação é científica - é abrir uma outra aba do navegador aí e dar uma googada.
No Twitter, grande repositório da autodepreciação e da celebração do fracasso por meio de memes, a procrastinação é exaltada justamente pela grande contradição que carrega - entre a irresponsabilidade e a necessidade de um despertamento criativo forçado de última hora.


Se tudo é pra ontem, procrastinar é deixar para amanhã o que nunca se poderia ter feito hoje mesmo. Afinal, estamos numa sociedade cujo próprio senso de urgência está descalibrado. Na era do multitasking percebido como virtude, priorizar se torna tarefa impossível, umas vez que vivemos sob o signo de “tudo em todo lugar ao mesmo tempo”. Eis o sintoma do contemporâneo: o apressado come cru e o procrastinador toma café frio.
Coffice da semana: Porão - Livro & Café
Uma das melhores harmonizações do mundo gastronômico é a de um livro e um café. Imbatível. Em Brasília, o Café com Letras era um refúgio importante, que deixou saudades. Em seguida apareceu o Cotidiano Café & Livraria e o Ernesto, nas origens, tinha a charmosa Livearia do Desassogego. Obviamente, temos o Sebinho, que há mais de década expandiu para um bistrô e cafeteria acoplado às estantes. E menciono o Cata Café, em Valparaíso, tem um dos espaços mais bonitos para se tomar um café em meio aos livros (funciona como sebo e biblioteca também).
Em toda cidade grande há este modelo a ser preservado e cultivado de junta o café com a leitura. A extinta Livraria Cultura fomentava a leitura com um arremate de espresso em suas dependências. Em Turim, na Itália, há um dos mais belos coffices que já fui. Trata-se de uma enorme cafeteria-restaurante no centro da cidade dedicada à leitura, chamada Circolo dei Lettori.
Combinação atemporal. Um dos projetos mais recentes na capital federal a equalizar a sede por conhecimento com a necessidade de cafeína é o Porão - Livro & Café, que me foi apresentado pela sobrinha Elisa, uma das mais ávidas leitoras que conheço.
Porão é um sebo bem ajeitadinho na 405 Norte e convidativo à prática do coffice: wi-fi, tomadas, água da casa e, claro, uma cafeteria internamente, servindo cafés especiais, ótimos espressos e belas receitas de cookies e bolos. O espaço é pequeno, portanto, não custa lembrar sempre de seguir o manual de boas práticas quando trabalhando em cafeterias.
O txt q precisava ler hj.
Obrigada!
E bora parar de procrastinar, rumbora trabalhar pra fechar a meta do mês!
Mais um excelente artigo para eu repassar aos meus alunos. Parabéns, Guilherme! Super atual e pertinente! 👏🏾