Esta edição foi escrita sob o efeito de um café coado a partir de grãos Kalango, catuaí vermelho, processado naturalmente, produzido por Odeir Schott na Fazenda da Limeira, em Manhumirim (MG), e torrado por Welliton Espíndola.
Ainda não queimei pé na fogueira, pulei cobra ou derramei quentão no casaco desde a pandemia. Perdi as festas juninas mais uma vez, porém, espero conseguir bater o ponto em alguma neste julho que recebemos com férias pra uns, trabalheira pra outros. Debaixo das bandeirinhas coloridas que ornam dos petshops às quadras residenciais, escolas classes e baias da firma (no meu caso, reflete demais nos cardápios das cafeterias, onde pratico meu coffice).
Falo de São João, pois é um de nossos festejos mais tradicionais. E, todo ano, o debate acerca da corrupção desta tradição por novos arranjos culturais emerge. Desta vez pesquei algumas coisas no TikTok (ó eu, todo moderno, nas redes sociais da Gen Z!). Uma delas coloca um ponto bem curioso, antropofagicamente moderno diria, ao mostrar jovens cantores sertanejos que estaria “deturpando” a tradição.
“Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada”,
enunciava Oswald de Andrade no Manifesto Antropófago
O vídeo ao qual me refiro é do jornalista e acadêmico GG Albuquerque, em seu canal O Volume Morto. Veja aí.
“Tradição e futuro não são excludentes”
GG Albuquerque
Na tradução antropófaga, o movimento que parecem fazer Zé Vaqueiro e João Gomes está justamente no ponto de atenção do manifesto modernista: alimentar-se de si (história, memória e, claro, tradição), mas também de outros (escolas estéticas, movimentos artísticos externos, referências novas e multifacetadas). O resultado aponta para renovação da experiência. Neste caso, não muito pessoal, pois as redes sociais nos convidam à coletividade a todo o instante.
Tradições são construídas. E com preços altos a se pagar, como provocava Tom Zé: “Com quantos quilos de medo se faz uma tradição?”
Ao final, a tradição criada, para além da barbárie, torna-se farol da sociedade. Por isso nosso apego tão grande às tradições. No mercado de trabalho, tradições estão aí como estatutos missionários ou visionários, mas a todo tempo ameaçado pelas novidades. Em grande parte, a novidade associa-se à tecnologia. Os ciclos de crises de mídias e das mídias, por exemplo. Era o videocassete, era o DVD, chegou o blu-ray, galgamos os streamings e toda a cultura de plataformização da indústria cultural.
Um ano atrás falávamos de metaverso e agora inteligência artificial surge como novo dilema a romper tradições. Ou, seja, mudar as formas como fazíamos as coisas. Mas tradições não são ameaçadas por isso. Não apenas. Veio uma pandemia, com toda a ruptura no sistema trabalhista, mas a tradição de exploração e autoexploração capitalista permanece inabalável, né?
Quando falamos de tradição no mercado de trabalho, entramos em uma disputa semelhante à observada em Zé Vaqueiro: às vezes queremos manter a toada da vaquejada tradicional, mas precisamos de uma jaqueta daora, um balanço jovenzinho, porque as histórias continuam sendo contadas. Mudou foi o jeito.
Já recorremos à tradição para muito retrocesso no mundo laboral: de justificar padrões de assédio a retardar a adoção de uma cultura mais producente, com equidade e, por que não, novidade?
Profissões tradicionais foram extintas, mas a tradição colonial e a lógica das capitanias hereditárias reivindicam os valores mais tradicionais para novas formas de manutenção do status quo, por exemplo. Tradição também se refere às disputas de poder.
Tradições podem ser substituídas, perdidas e resgatadas. O vínculo maior com a tradição é da ordem da psiqué. Tradição chega carregada de sentimento, de história. Não se substitui assim. Conheço muito jovem que chega no novo trampo jogando a carta geracional do domínio das ferramentas e suposto conhecimento do que a sociedade digital (majoritariamente jovem) quer. A esses digo, parafraseando Gonzagão: “respeite os oito baixo do seu pai”.
Coffice da semana: The Coffee Hut (DF)
Em funcionamento na 213 Norte de Brasília desde o início de 2018, só fui parar para um coffice no The Coffee Hut recentemente. Em 2020, em meio à pandemia, inaugurou uma segunda unidade no Vitrinni Shopping de Águas Claras também. Prefiro sempre a vibe da Asa Norte. Esta comercial em particular é bem gastronômica. Virado para a residencial mega-arborizada próximo ao Parque Olhos d’Água.
Cafés especiais, wi-fi, água da casa, tomadas estratégicas fazem a vida do nômade digital em buscar de pouso para render um pouquinho no dia reabastecido com um expresso duplo extraído da La Marzocco.
A casa tem uma pegada bem americanona, assim, com muitas opções de doces e um cardápio bem apropriado para brunches, com panquecas, waffles e ovos mexidos com bacon, por exemplo. É um dos poucos que trabalham com cafés especiais e abrem cedo. Funciona das 7h30 às 21h30, de terça a domingo. Lembrem-se sempre de verificar na casa os momentos de maior ociosidade para você conseguir ter um tempo de qualidade praticando seu coffice.