Esta edição foi escrita acompanhada de um ristretto do Bourbon Amarelo Natural DOT (“dry on tree”, o secado na árvore), produzido por Tomio Fukuda na Fazenda Baú, no Cerrado Mineiro e torrado por Los Baristas.
A vida não pode acontecer somente nos contraturnos do trabalho. Esta lógica inspirou o argumento do autor Timothy Ferriss em The 4-hour work week (traduzido como Trabalhe 4 horas por semana). Seria algo como o “acting your wage” com muita (mas muita autoestima).
“Acting your wage” é uma expressão a implicar uma regra que deveria básica nas relações trabalhistas: “atuar conforme seu salário”, querendo dizer trabalhar e se esforçar proporcionalmente ao pagamento acordado — ou fazer apenas o que vocês está sendo pago para fazer.
Deste aprendizado tira-se mais a premissa de adequar o trabalho à vida em vez do contrário — e não uma solução (pois basicamente impossível), a julgar pelo sistema capitalista, cujos modelos dependem da exploração de massiva mão-de-obra trabalhadora.
Hoje é segunda-feira e, em Coffice, nosso trato é de lealdar essas segundas tão odiadas por tanta gente (e pelo Garfield, que nem trabalhar, trabalha).
Com pandemia e o advento da uberização dos serviços com produto alheio, o mercado de trabalho ficou ainda mais complexo e, por consequência, trouxe consigo diversos fenômenos. Muitos deles já comentamos por aqui, a exemplo da demissão silenciosa (o quiet quitting).
São fenômenos reais, porém batizados e traduzidos em forma de movimento pelas mídias digitais. Ou seja, conceitos apócrifos para uma vida digital na modernidade líquida baumaniana.
A chamada segunda-feira mínima é um desses. Veio como uma tradução de “bare minimum monday”, o que em português geraria um problema de redundância para se conseguir capturar a expressão inglesa. Surgiu como tendência e assim ficou.
Seria uma forma de aplicação prática da semana de pouco esforço de Ferriss, valendo só para as segundas-feiras. Afinal, segunda é a vilã do imaginário do trabalhador, pois cabe a ela a ingrata função de suceder o domingo, ápice do descanso.
Aliás, a segunda carrega ainda a culpa por aquela depressão sazonal no crepúsculo dominical, quando a consciência do trabalhador de folga o avisa sutilmente que aquela é a saideira do barzinho, ou que aquele é o último louvor do culto, ou que aquela é a última matéria do Fantástico, pois o corpo precisa repousar para cansar novamente em poucas horas.
Na segunda-feira mínima, se prevê quebrar um galho do trabalhador, com menos demandas, carga horária reduzida, tempos mais dilatados no cafezinho… Isso permitiria uma correspondência entre a natural falta de motivação e ânimo natural atribuída ao humor do trabalhador às segundas.
De modo prático, a segunda-feira mínima seria um começar o dia de trabalho mais lenta, morosa e demoradamente. Vejo o sentido, embora tenha aprendido a conviver muito bem com as segundas laborais. A disposição é tanta por aqui que criei uma newsletter programada para chegar à sua caixa de entrada às 6 da manhã, toda segunda. Olha só.
Movimentos como esses são mais entusiasmados em se tornarem virais de TikTok do que em contribuir como solução da pólis, na verdadeira arena de negociações da vida, o caminho da política.
E, assim, vamos reinventando a roda enquanto exploramos a nós mesmos, conferindo um novo sentido a um velho problema. Assumindo a hipocrisia, Coffice cria um desses fenômenos de ressignificação sem necessariamente reduzir jornada, aumentar renda ou centralizar a vida. Coffice é uma filosofia similiar ao que lá pelos Estados Unidos o pessoal começou a chamar de coffee badging, mas este assunto a gente trata na próxima semana.
Coffice da semana: Café Zinn (SP)
Café Zinn é um dos bons coffices de São Paulo capital. Para este propósito refiro-me à unidade da Haddock Lobo e não às versões “petit” da marca em shoppings, onde, pela comodidade, é possível tomar ótimos cafés sem recorrer a franquias gringas ou cápsulas (fica a dica).
Mas na cafeteria mais espaçosa (e de cardápio completo) desde o nome assume notável mineiridade. Algumas opções de pão de queijo abrem o apetite. Há a tradicional bem mineirão (aquele estilo caipira, com sinais de queimadinho), mas também você pode recorrer ao pão de queijo funcional de tapioca (uma redundância justificável pelo fato de que tapioca é um preparo mais completo do que o simples polvilho), no qual é acrescido linhaça e chia.
A casa se orgulha de seu bolo de chocolate com cobertura quente de ganache, batizado de zinn delírio, embora entregue outras opções mais leves de bolinhos, o que toda boa cafeteria deve servir.
E, claro, no serviço de barismo, saem ótimas bebidas. Não é só um “cafezinn”. Tem uns cafezões por lá também, além de wi-fi e tomadas para se acomodar para uma segunda-feira mínima.
Ah, o café serve almoço, portanto, não deixe de lembrar do que falamos no nosso manual de boas práticas: evite horários de pico e de grande rotatividade de clientes, vai ser bom pra cafeteria, que venderá mais (tendo sua mesa vaga), e também para você, que não ficará trabalhando no meio do rush.