Esta edição foi escrita acompanhada de um espresso Rubi, blend preparado, torrado e embalado pela Royalty Quality Coffee.
Dia desses, num bar do qual gosto muito — e não canso de recomendar — tava tudo salgado. Até os salgados. Um lapso.
Sal é daqueles ingredientes que curam e ferem; matam e salvam; melhoram e pioram o sabor da comida. Antisséptico e cicatrizante, se colocado sobre a ferida; gatilho de hipertensão, osteoporose e distúrbios renais, se ingerido em excesso.
Daí a tradição de se dispor o sal sobre a mesa. Cada qual sabe a necessidade de acrescentá-lo. Muito embora, uma vez salgado demais é quase impossível se remediar.
Adicione uma cebola e uma batata, aumente a água. Mas a receita nem sempre permite essa gambiarra culinária.
Daí essa coisa de salgar varia entre culturas. Acontece dentro do que as ciências humanas reconhecem como interstícios, basicamente abrem os flancos de negociação nas altercações da vida, como aponta Bhabha em sua teoria crítica pós-colonial.
“É na emergência dos interstícios – a sobreposição e o deslocamento do domínio da diferença – que as experiências subjetivas e coletivas de nação, o interesse comunitário ou o valor cultural são negociados”
Homi K. Bhabha
Enquanto Bhabha aponta para uma via de alteridade exercida pela via do diálogo e da tolerância (se aproximando ao paradoxo da intolerância de Popper, até), o que vemos no sistema de negociação dos valores é semelhante ao que ocorre sobre a mesa.
Do repertório de grandes frases de uma de nossas jovens intelectuais da gastronomia, a jornalista Flávia Schiochet, de fogo baixo, pinço uma das que mais uso (e, propositalmente, gravei no subtítulo desta edição):

A mesa é um espaço também de tensão. O saleiro pode ser tanta coisa… É por isso que chefes não costumam ser bem-vindos no happy hour da firma, no junta tupperware da copa em torno do micro-ondas ou naquele almoço mais esticado da sexta-feira. Se estiver, ali estará uma disputa.
Desde quando o mundo é mundo, a mesa se coloca como espaço de mediação. Portanto, de disputa. Não precisa ser bate-boca em véspera de eleições presidenciais — coisa que já dividiu famílias definitivamente. O silêncio à mesa também é um baita saleiro.
O que se come e o que se deixa de comer. Como neste espaço a gente gosta é de refletir sobre as relações de trabalho (dentro ou fora da firma), aproveito para ilustrar essa disputa do que se come com o episódio “Demônio 79”, da sexta temporada de “Black Mirror”, em Netflix.
Para fins de contexto, duas moças trabalham na mesma loja de departamento em Londres. Uma delas, típica inglesa caucasiana, de ascendência europeia; outra, a protagonista, uma indiana, que como todos ali, leva sua marmita de almoço.
Durante um dos intervalos, a inglesa reclama do cheiro que sua comida exalava. No que o gerente a recomendou começar a trazer sanduíches “normais” para o almoço. História do vencedor. A jovem vítima de racismo não pegou o saleiro. Mudou o cardápio.
Sobre as mesas vão as cartas.
O saleiro é uma delas. Pode vir um ás ou um 3 de paus. Mas tudo está sujeito à lábia do jogador, sua habilidade de blefar, sua sorte ou trapaça.
Assim compõe-se a cultura, nos interstícios dos movimentos de “fronteira cultural”, como percebe Magali Menezes, estudiosa da filosofia da interculturalidade de Bhabha. A cada interação, novos modos de significação e de sentido são produzidos. E os são por meio do conflito. Sua superação pode vir pelo diálogo, mas o saleiro continua sobre a mesa.
Selo Coffice
E hoje é dia de sair novas cafeterias que visitamos e atribuímos o Selo Coffice - Atestado de Qualidade de Cafeterias, lançado na semana passada, com um roteiro de “coffices” em Brasília.
Para hoje, separamos dois coffices muito legais em Goiânia e um em Belo Horizonte. A ideia é distribuir o Selo Coffice por todo o Brasil, gerando um roteiro comentado para orientar você que usa cafeterias como abrigo para o nomadismo digital — ou simplesmente quer saber quais são os cafés com qualidade gastronômica, atmosférica e laboral que há por aí.
Então, vamos aos contemplados de hoje pelo Selo Coffice:
Elisa Café e Torrefação - Belo Horizonte (MG)
Estação 14 - Goiânia (GO)
Subverso Coffee Culture - Goiânia (GO)
É novo por aqui ou ainda não conheceu a iniciativa do Selo Coffice?
Acesse a página oficial de Coffice no site do hub Comida de Pensar, clicando aqui.
Neste link acima você lê sobre a cultura Coffice, acessa os roteiros por cidade (ainda em construção, mas valendo) e entende os critérios de avaliação, entrega e solicitação do Selo Coffice.