Remote first. Mas, antes, um café
A cultura do trabalho deve considerar a priorização do remoto
Leia nesta edição #5:
Artigo: Remote first. Mas, antes, um café
Notícias: Putinização do Starbucks + Pegando fogo
Descubra: sessão dedicada a apresentar sempre uma variedade, um método, um estilo ou um apetrecho do universo do café.
Coffice do dia: Jacket Café (Asa Sul, Distrito Federal)
Esta edição foi escrita acompanhada de um v60 Quebra-Nozes, da Ahá Cafés. Variedade: catuaí vermelho, processado com cereja descascada e produzido por Jhone Lacerda, do sítio Santa Rita Espera Feliz, no Caparaó Mineiro (MG).
Artigo: Remote first. Mas, antes, um café
O trabalho presencial voltou. E, com ele, toda a sorte de vícios contraproducentes da vida de escritório: reuniões que poderiam ser um e-mail, deslocamentos desnecessários, cumprimento de horário para satisfazer a sensação de produtividade da chefia, treta com a temperatura do ar condicionado e, o pior deles, o café de licitação. Sobre este último falaremos em futura oportunidade.
Por força da pandemia, a infraestrutura para favorecer atividades remotas avançou consideravelmente. Ponto pacífico. Não sei se vocês lembram daquelas conversas de que “depois da pandemia as relações de trabalho nunca serão as mesmas”. Caíram as máscaras e voltamos a ser quem éramos - talvez um pouco mais ansiosos, um pouco mais cansados e até um pouco mais explorados.
Sentimos saudades da presença do outro, claro. Determinadas atividades, trabalhos e programas funcionam melhor na “vida real”. O que foi aquilo de fazermos festas online, meu Deus? Sai pra lá!
Porém, no baixar da poeira do vírus, vivemos uma certa negação do remoto, como se fosse mera muleta para “quando necessário for”. Pois as melhores práticas das interações profissionais e de negócios virtuais no mundo já previam, desde antes da pandemia, uma cultura prioritariamente remota.
O termo cunhado em inglês “remote first” (remoto primeiro, na tradução literal) não preconiza uma cultura do trabalho livre das interações presenciais, como pode até sugerir. Ser primeira ou prioritariamente remoto deve ser compreendido como função à priori das tarefas a serem executadas.
Ou seja, a lógica remote first é concebida com um intuito que supera qualquer polarização infecunda entre remoto x presencial. Ela reconhece a necessidade, a relevância e a indispensabilidade do encontro físico. Agora, desde que de fato o seja.
Pode-se entender até que remote first estaria contemplado dentro da definição do trabalho híbrido, cuja tese central seria exatamente a de prever soluções remotas antes de tudo. Infelizmente, não é assim que o mercado voltou a operar no pós-Covid.
O híbrido foi domesticado pela mesma lógica burocrática da definição de turnos ou horas trabalhadas, mensuradas por uma planilha Excel. Um dia sim, um dia não; semana sim, semana não; remoto, mas precisa “dar expediente” presencial. Não é nada disso. Esse é o tipo de gestão mais interessada no controle da folha de ponto do que na qualificação do trabalho e, sim, na qualidade de vida de quem o faz.
Remote first é a senha para uma gestão inteligente do tempo, dos projetos e das relações de trabalho. Não serve para manter gente 24 horas à disposição do serviço, nem para microgerenciamento de pessoas. Primeiro resolvemos, planejamos ou processamos remotamente, para então definir os melhores caminhos para se desenvolver a atividade, seja ela remota ou não.
E, com isso, também deve vir o uso sagaz de recursos, além de permitir que a dinâmica de cada projeto ou negócio se desenvolva em torno da vida do trabalhador e não o contrário.
A única coisa que pode vir antes do remoto, claro, é o café. Bora levantar e começar mais um dia de trabalho, guerreirada. Boa segunda pra vocês.
Agora vamos às news:
Putinização do Starbucks
Nas últimas semanas essas redes, sobretudos lá pras bandas dos EUA, ficaram em polvorosa com o que tá sendo chamado de “russificação” (em tradução livre) das marcas de fast-food ocidentais. Por ocidentais, leia-se estadunidense. A começar pelo McDonald’s.
Como parte da histórica guerra simbólico-cibernética entre Rússia e EUA, reacesa com a invasão de Putin no território ucraniano, a ofensiva russa nessas últimas semanas recorreu ao marketing capitalista americano como estratégia.
Empresários apoiadores desse neototalitarismo putinista saíram às compras. A mais recente aquisição foi das 130 lojas que pertenciam à rede de fast-coffee norte-americana Starbucks, alijada do país em maio como sanção à guerra.
Rebatizada de Stars Coffee e apresentada com uma logo quase idêntica à original, a primeira unidade abriu mês passado em Moscou. O modelo é a cópia todinha, com adaptações russas. Igual mesmo ao Starbucks, provavelmente, apenas a qualidade duvidosa da seleção e da torra dos grãos e a certeza de que vão escrever seu nome errado no copinho.
Curioso é que os empresários russos utilizaram a mesma premissa capitalista sobre as quais essas marcas ergueram seus impérios, sob a bênção do Tio Sam. O caldo entornou.
Pegando fogo
Eventos gastronômicos pós-pandêmicos estão literalmente pegando fogo. Sinto como se tivesse aflorado um instinto primitivo em nossa sociabilidade de se aglomerar ao redor de um braseiro. Fogo virou uma trend, mesmo sem nunca ter deixado de ser um dos mais indispensáveis ingredientes da cozinha.
Não sei o algoritmo de vocês, mas o meu aqui inunda o feed de videozinhos de gente abrindo buraco em toco pra atear fogo, improvisando fornos ao ar livre com pedras e madeiras e outros braseiros mais tecnológicos.
Comercialmente pegou também. Fora os festivais de churrasco com seus varais e fogos de chão. Pois separei duas experiências (uma em BH e outra em Brasília) para vocês que curtem esse universo, ambas no dia 1º de outubro. Programe-se:
Fuegos - O enorme festival de cozinha de fogo de Belo Horizonte chega à quarta edição no dia 1ºde outubro, no Parque de Exposições da Gameleira, das 14h às 22h, com uns chefões aí da estirpe de Léo Paixão, Flavio Trombino. Ivo Faria e Rafa Bovcaina. Ao todo são 32 churrasqueiros em 30 estações com várias modalidades de churrasco. Ingressos aqui.
Da Fazenda à Churrasqueira - Não é festival. Trata-se de uma iniciativa do Superquadra Bar com o Master Churras e o Açougue 61, com modesta participação deste que vos escreve. Este é o primeiro curso do Superquadra, bar em Brasília especializado em churrasco (do fogo de chão à parrilla, do espeto ao pit smoke). E será na fazenda do Açougue 61. O curso apresenta todo o processo de cuidado do gado, acompanhado de muita comida e cerveja. Dentre os temas, compostagem, reflorestamento, criação de gado, história do churrasco (eu!), harmonização e, claro, preparo seguido de degustação com a equipe dos chefs Tonico Lichtsztejn e Moisés Costa. Infos e inscrições: 61 3202-1717.
Descubra
Você conhece o Café Turco?
De modo semelhante à moka, à qual chamamos de cafeteira italiana, o café turco é um estilo de se preparar o café desenvolvido a partir de um aparato regional típico - talvez um dos mais antigos do mundo ainda em uso. Falamos do ibrik ou cezve, um bulezinho de cobre (de outro metal ou de cerâmica), com uma grande haste no local de uma asa. Não há uma só forma de preparar o café turco, mas a clássica é aquela feita na areia quente.
O método se assemelha ao do café sertanejo brasileiro (e ao café caubói americano), porque o pó do café é colocado na água e servido dali mesmo, deixando a borra decantar e sem necessidade de filtro. Basta acrescentar o grão moído bem fino no ibrik com água fria. Turcos costumam temperar com açúcar e especiarias (canela e cardamomo, principalmente).
Em seguida, mergulhe o fundo do ibrik na areia quente (há uma máquina apropriada para tanto), que a fervura do café já sobe quase que imediatamente. Repita o processo mais uma vez. Pode-se fazer no fogão, submetendo a três fervuras com descanso de um minuto entre elas. Será formada uma espuma não muito agradável por cima. Retire-a com uma colher. Dica: coloque uma colher de água gelada para manter a borra no findo. Como resultado, você terá um café com altíssimo teor de cafeína e alguma cremosidade.
Coffice do dia: Jacket Café
Jaquetas sempre estiveram, de certa forma, associadas à juventude - especialistas em moda corrijam-me, por favor. Dia desses assisti à cinebiografia de Elvis, sob a frenética e extravagante direção de Baz Luhrmann. A jaqueta desempenha essa função no ‘68 Comeback Special do cantor. Inspirado em James Dean, Elvis rejeita o suéter de crochê e veste uma jaqueta preta de couro, com o peito desnudo, como estratégia de desencaretar-se diante do público.
Nos anos 70 e 80, era indumentária indispensável para o mundo pop. Dos roqueiros e dos blacks até Xuxa e suas paquitas, a jaqueta alimenta esse imaginário da juventude cool, de uma rebeldia dos costumes.
Pois o Jacket Café, nosso coffice do dia, usa a desculpa da jaqueta para conferir ao universo do café especial uma modernidade menos hipster e mais lúdica. Quase um contrassenso, uma vez que café não costuma ser uma bebida fácil de associar com a juventude, muito menos com a rebeldia.
O Jacket passa o ano brincando com docinhos e decorações de Páscoa, Halloween, Natal, etc. Sempre tem alguma gracinha na loja, portanto, muito convidativa para quem está com crianças. Porém, o café é levado a sério. A máquina de torra ostentada na vitrine já manda esse recado. Espressos carregam de guarnição uma nuvem de algodão-doce que paira sobre a xícara - meio demais pra mim, mas funciona bem no conceito. Ótima seleção de cafés, com muitas variedades de grãos e de métodos.
Muito apropriado para a prática do coffice. Até propõe uma certa divisão dos ambientes, situados aos fundos da loja. Um lado de mesas com muitas tomadas, para acomodar a nós, nômades digitais; noutra banda do salão, as mesas sem conexão e o espaço no jardim recebem um público mais diverso. Oferece água da casa em autosserviço.
E, se quiser sentir-se mais jovem, as jaquetinhas estilizadas da própria cafeteria estão à venda.