Manter a temperatura
Dinamismo do mundo do trabalho requer garrafas térmicas e não cápsulas
Esta edição foi escrita acompanhada de um café Aramosa. Elaborado por processo natural pela Fazenda Daterra (Patrocínio, MG), torrado pelo Ahá Cafés. O método foi o (para mim inédito) The Gabi (leia mais ao final da newsletter, em Coffice do Dia)
Cafezinho oportuno próximo à parada de ônibus, na saída do metrô; aquele da firma, produzido em lotes encostado na copa ou na mesinha do lanche; ou o apressado de casa, muito quente para ser entornado sem perder a hora. Vai pra viagem. Para todas essas ocasiões, o trabalhador depende dela: a térmica. Da individual para bebericar a caminho da labuta ou no botijão de seis litros das copas corporativas, o café nem sempre pode se dar ao luxo de passar pelas mãos do barista.
O café que energiza e motiva a alvorada da guerreirada, do proletariado-chão-de-fábrica e também boa parte do mundo corporativo e de seus executivos que ainda não se dobraram às cápsulas, precisa vir na garrafa térmica. Afinal, nós somos como ela: carregamos um volume limitado de calor e frescor, mas precisamos manter a temperatura ao máximo possível até o enfastiado resfriamento ao final do dia.
A térmica cumpre um papel específico. Funciona como a barra de vida nos videogames de plataforma: às vezes fica por um fio, noutras até acaba, mas sempre se permite renovar. O dia do trabalho é como essa térmica, que funciona de sol a pôr-do-sol. Há um tempo em que ela consegue entregar o café de qualidade. Depois daquilo, vai só na base da necessidade mesmo. Ou temos aqui entre nós titãs do universo laboral infatigáveis?
Há uma perigosa romantização do mundo do trabalho, na qual crescem apenas aqueles que se comportam como o café da cápsula: a todo tempo saindo novo e quentinho, no padrão. Perene reabastecimento e pouca coletividade. O serviço é individual, embora a vaquinha da máquina tenha unido a todos no mesmo propósito.
Esse é o tipo de trabalhador que, embora, demonstre enorme energia aquiesce diante de seus parcos direitos. Basta um pouco d’água e apertar um botão para funcionar. E, quando menos percebe, sua recompensa regida pelo salário mínimo vale cada vez menos - ainda mais em tempos de ameaça à desassociação deste da inflação, já imaginou?
Foi assim poucos anos atrás. Adeus aos benefícios. Não gostou? Adeus a você. Substituído como a cápsula de edição-limitada. Pois a térmica representa o valor da resistência - não seria resiliência, eu acho, poupemos o termo cunhado por Boris Cyrulnik para questões mais adequadas.
Resistir é o que fazemos. E, sim, esfriamos ao fim do dia. Ao contrário da cápsula, reabastecida por madrugadas a fio, não prevê espaço para o descanso, sob o pretexto meritocrático do “trabalhe-enquanto-eles-dormem”. O importante foi manter a temperatura por horas, ainda que variando na qualidade, porque o descanso reivindica espaço para renovação do vigor.
É importante jogar fora o café frio e a borra ao fundo da garrafa. Lavá-la bem. Deixar secar. Passar um café novo. Repor. E, entaõ, manter a temperatura.
Agora vamos às news:
Open coffee, o “rodízio” de café
Já que falamos em garrafa térmica, parecia ser este o último apetrecho a compor o inventário de uma loja de cafés especiais. Agora ficou indispensável. Para saciar o comichão do cafeinômano, capazes de entornar mais do que um par de xícaras de café, muitas casas aderiram ao sistema do open coffee. Basicamente trata-se de um autosserviço de café coado. São produzidos lotes de café, mantidos numa térmica poderosa. O cliente pode servir-se à vontade por um preço único. Em Brasília, a média está em R$ 18.
Definitivamente não é pra mim. Povo acha que, por escrever sobre cafés, sou um grande viciado. Tomo uma xícara por dia, raramente me excedo. de tempos em tempos fico sem até por alguns dias ou semanas. Fui conhecer esse modelo do open coffee numa bela cafeteria chamada Civitá. Cheguei à terceira dose com muito esforço. Mas fica aí a dica. Já chegou a muitas capitais - e em várias cafeterias delas.
Loi: ponte aérea São Paulo-Brasília
Tem muito tempo que o chef italiano radicado em São Paulo Salvatore Loi paquera o mercado gastronômico de Brasília. Aliás, a capital federal é menina dos olhos de diversos empreendimentos e empreendedores de sucesso pelo alto poder aquisitivo da população - somada a uma cena ainda um tanto inexplorada.
Loi mantém sua base operacional em São Paulo, com maior atenção voltada ao Moma (Modern Mamma Osteria). Porém, desde o ano passado ele fica em ponte-aérea entre capital paulista e Brasília. Primeiramente, tratava de abrir um restaurante que até teve sua foto estampada no tapume, mas pulou fora da operação antes de ficar pronta. Criou então o Cappuccino Café e Bistrô na 216 Sul com um cardápio enxuto, mas com a promessa de trazer uma experiência mais ampla no futuro.
O futuro tá chegando na forma do DOC Cucina, que apresentará um recorte gastronômico da ilha italiana da Sardenha, em breve, na 406 Sul (foto). “Estamos fazendo ajustes, mas o trabalho em Brasília tem mostrado um potencial muito grande, que me entusiasma”, me disse na semana passada. Ele deve vir a Brasília para um soft opening até o fim da próxima semana, quando poderemos saber um pouco mais.
De volta a São Paulo, ele concentrará esforços na quarta unidade do Moma, em franca expansão, agora com uma nova operação em Pinheiros. “Vou trabalhar um conceito novo, de um bar com comida e jazz”, antecipou.
Coffice do dia: Ahá Cafés (DF)
Antes de mais nada: sim aqui tem open coffee na térmica de aço inox por R$ 18, à vontade. Há cafeterias que são não-lugares. Que existem antes de serem e permanecem conosco pelo imaginário criado no entorno da marca. Como rótulos de vinhos e capas de discos, assim passei a comprar os pacotes de grãos embalados pela microtorrefadora Ahá Cafés.
O Ahá acertava os microlotes com as fazendas e eu “colhia” os exemplares prontos para o moedor por revendedoras em Brasília, muitas vezes na Mercearia Colaborativa. Eis que soube do ponto da empresa com atendimento ao público. Isso anos atrás. Era justamente na minha quadra, escondidinha, por trás, próximo a uma esmalteria (teve essa fase da gourmetização das unhas, como de tudo), ali na 204 Norte.
Não era bem uma cafeteria, pois os horários eram muito esquisitos e o serviço era mais de demonstração, degustação e venda das embalagens. Conheci o Salada de Furtas, o Honey, o Protázio, o Matinha e o meu preferido: Quebra-Nozes. Cada pacote mais elegante que o outro. Vontade de colecionar, mas a perecibilidade - e o preço - não me permite.
Hoje opera em ponto novo, na antiga loja que abrigava Antonieta e a extinta Rubato, na 709 Norte, dividindo o espaço físico com a pizzaria da Castália, a operar no cair da tarde. Bela combinação, aliás. No amplo espaço a Ahá finalmente se torna um verdadeiro coffice. Ponto de energia, wi-fi, água da casa, ambiente apropriado e, mais importante: café de altíssima qualidade. O banheiro é daqueles de loja de estrada e posto de gasolina: pegar a chave no balcão e acessar por trás da loja.
Mas do balcão de cafés saem os formidáveis rótulos, dos quais provei esta combinação de arábica e racemosa citada no início da newsletter. O método sugerido pelo barista: The Gabi. Nunca ouvira falar até ali.
Método sulcoreano de filtragem em duas etapas. A primeira extrai 200ml e, na segunda, completa-se o volume padrão de serviço: 300ml. É como uma kalita, porque a primeira filtragem passa por orifícios planos, e em seguida assemelha-se à v60, com resultado mais próximo do kalita mesmo. O apetrecho parece daquelas bugingangas de cientista de desenho animado, como podem ver na foto.
O resultado foi de um café extremamente suave. Mas isso se deve também ao próprio grão usado, um novo pacote desses lindinhos da Ahá, que se chama Aramosa. Trata-se de um híbrido de Arábica com Racemosa, variedade de baixo teor de cafeína. Um café muito macio, bem apropriado para quem quiser se iniciar na degustação de cafés especiais “de método”, como popularmente falamos.
Esse rodízio é para mim...vou experimentar!
Fui no Cappuccino Café, não achei nada de uau: o atendimento regular e o preço acima da média!
Eu fui, eu tava, não foi ninguém que me contou do fatídico dia de open coffee no Civitá, rs. Só quem viveu. Agora vou ter que levar minha Gabi pra tomar o The Gabi, que jeito!