Sobre cães, gatos e... pombos
Cafeterias abriram espaço para os bichinhos - alguns indesejados
Esta edição foi escrita acompanhada de um v60 extraído de grãos da variedade érita (catuaí vermelho, processo honey), torrado pelo Studio Grão
Sim, você ainda lê uma newsletter sobre trabalho remoto, café, cultura e gastronomia. O que, então, o reino animal tem a ver com isso? Bem, além de o fato de integrarem a cadeia alimentar humana, os bichos estão cada vez entre nós - inclusive aqueles indesejados.
Comecemos com nossos bichanos de companhia escolhida. Esses também participam ativamente de nossa vida laboral. E parece que isso é algo muito positivo. Estudo de 2018 do Hospital Vera Cruz em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontava significativos avanços no humor e um boost na motivação das pessoas submetidas ao contato com os pets - estrangeirismo hoje ainda mais legível que a expressão em português.
Em 2019, espaços de coworkings lideravam o movimento de tornar o ambiente de trabalho pet friendly. Os argumentos consistiam na percepção de que a presença dos animais de estimação no local diminuem estresse e geram sensação de bem-estar. Durante a pandemia, os pets se tornaram aliados indispensáveis para ajudar os humanos a atravessarem o trabalho remoto forçado - neste caso sem objeções, por motivos de home office.
Reflexo na sociedade: aumento de 400% da procura por adoção de animais no primeiro trimestre de 2020 (levantamento da União Internacional Protetora dos Animais). Foi ainda observado pelo Radar Pet 2021 que 23% das pessoas que adotaram durante a pandemia se tornaram donos de pets pela primeira vez na vida.
O setor de restauração segue a toada mundial e aponta para a derrubada de tabus acerca do convívio com animais em lugares antes proibidos. Shopping centers, por exemplo, só permitiam pedestres de quatro patas desde que cães-guias. A legislação foi flexibilizada. Em espaços de alimentação, a polêmica permanece. No caso brasileiro, chegou-se ao meio-termo de se permitir a presença de animais desde que em espaços ao ar livre ou apropriados para tanto.
Muitos estabelecimentos se tornaram, assim, pet friendly - outro estrangeirismo a devorar a língua portuguesa, que precisa recorrer a termos meio sisudos ou pouco sonoros: apropriado para animais de estimação ou amigáveis aos bichos.
Mas as criaturas já viviam entre nós pelos bares, restaurantes e cafés da vida. Baratas, ratos, moscas, mosquitos - a denunciar a falta de higiene do local. Mas também trata-se de inevitável e incontrolável peste das próprias cidades - metrópoles especialmente. Uma das histórias contada por um dono de restaurante, dizia de um rato que havia se tornado habitué por ali, a ponto de o batizarem. Não virou um pet, mas ganhou status de mascote.
Dos bichos mais indesejáveis, o frequentador mais assíduo de cafeterias e padarias são os pombos. E, admito, tenho enorme agonia desses ciscadores sutis que, de repente, te metem um susto por baixo da mesa. Sou desses sem noção a ficar loucamente balançando as pernas e pisando no chão para espantá-los. Não chega a ser uma ornitofobia, pois não vale para demais pássaros, é só com pombo mesmo. Urgh!
Se convivemos com as pestes, por que não aceitar dóceis pets? Ou, o fenômeno que testemunhamos se desdobrar: estimular a presença deles entre nós.
Cafeterias têm sido refúgio perfeito, pela sua versatilidade de serviço, rotatividade e proposta de uso do espaço público. Não à toa, muitas delas já criaram até menus para os bichanos - indo além do mero bebedouro de água.
A grande tendência de agora são os cat cafés, especialmente para amantes de gatos. É novidade para o mercado brasileiro, devido à histórica proibição de animais em comércio de alimentação. Mas há notícias desse modelo desde a Taiwan dos anos 90. Agora tem no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Brasília, em Curitiba. Parece que o pioneiro teria sido no Recife, chamado de Gatto Macchiato - aparentemente fechado. E mando uma menção especial ao Gato Pingado Café, em Pinheiros (SP), que é, de fato, um coffice!
Os cat cafés não se limitam a um local pet friendly. Aliás, nem se costuma tanto assim levar os bichanos para lá. Mas, ao contrário. Trata-se de um modelo de cafeteria com a temática felina, mas com ação direta na promoção da causa animal.
Em comum, os cat cafés têm um ambiente isolado da área da cafeteria, todo pensado para gatos, com os trepa-trepas, buracos e caixas que tanto gostam. Lá, os humanos podem entrar para fazer a gatoterapia e brincar com os bichanos por alguns minutos. Os gatos costumam ser de resgate, já tratados e limpos e prontos também para adoção.
Não sou lá muito de gato. Já tive uma na adolescência. Chamava Bolachinha. Precisei doar para não virar comida da Lili, minha saudosa dogue alemã esfomeada, cujo currículo de caçadora inclui um par de gatos (dentre eles o siamês caríssimo da vizinha) e um anu-preto capturado em pleno voo, fora calangos e sei-lá-mais-o-que não testemunhado.
Mas devo considerar que a experiência a que me submeti num cat café (fui ao Betina, na 409 Sul, em Brasília) pode ser um tanto aprazível, de fato. Se não for apropriado pra trabalhar, ao menos vale pelo exercício terapêutico.
Vai aqui um roteirinho dos cat cafés
Coffice do dia: Cappuccino
Eis uma redundância: tomar um cappuccino no Cappuccino. O nome simples, até simplório esconde um empreendimento dos mais ousados no serviço de panificação e café de Brasília. Ousado no sentido da operação. Por essas bandas não se encontram - assim fácil - padarias de fermentação natural e cafés especiais extraídos por diversos métodos antes das 8h. Pois aqui abre 6h e vai até as 22h, com serviço ininterrupto.
Salão aberto nas laterais, amplo, com um deck aos fundos que acomoda bem o público. O investimento foi da pesada e reuniu a empresária Lu Struck com o experiente, premiado e festejado chef italiano Salvatore Loi (em vias de abrir outro estabelecimento na capital federal). Gostou da aventura pelo jeito. Além desses, a casa contou com trabalho de panificação de alto nível do chef padeiro Bruno Viana, consultoria de cafés de Sulayne Shiratori.
Costuma ser bem movimentado para o almoço, o fim de tarde e o jantar. Afinal, a cafeteria serve pratos de assinatura de Loi. Menu enxutíssimo, mas muito requisitado. Entrega também serviço de sommelier e de bar, com drinques autorais e clássicos.
É bem apropriado para a prática do coffice. Serviço de baristas profissionais, grãos especiais, água da casa e cadeiras muito confortáveis. Mesas com tomadas próximas, wi-fi estável e suficientemente rápido completam as características de uma boa cafeteria-escritório. E é pet friendly, já que estamos no tópico hoje. Peça um cappuccino. Faz jus ao nome.