Gentileza x gente lesa
Mais amabilidade pode ser antídoto para nos tirar da letargia social
Esta edição foi escrita acompanhada de um Arara Amarelo da Serra do Caparaó (ES) produzido e torrado pela Heringer Cafés Especiais, no Sul de Minas
O positivismo em tempos de Big Data gerou uma das maiores crises estéticas: a da amabilidade. A gentileza foi reduzida de ação (do exercício empático) a apenas adjetivo. Da mensagem de José Datrino, o Profeta Gentileza, 10, 20 anos depois, sobrou apenas o adesivo verde-amarelo extraído dos painéis deixados pelo evangelista no viaduto do Caju, no Rio.
“GENTILEZA GERA GENTILEZA”
Há ciclos de redescoberta da máxima do profeta, desde sua morte em 1996, antes já cantado lindamente por Gonzaguinha.
Mas, sinceramente, aquele jargão tão batido, me cansou. Ficou piegas, sequestrado pela horda de coaches motivacionais para qualquer coisa.
Sempre preferi o sarcasmo, a ironia e até a paródia: “gente lesa gera gente lesa”.
Fazia mais sentido para os tempos da falência da empatia no apocalipse da cordialidade brasileira — que sempre fora um mito tatuado em nosso imaginário.
Ouvindo a uma palestra (baita palestra, aliás) da atriz Denise Fraga, durante a semana pedagógica lá da universidade, refiz as pazes com a gentileza. Ou melhor: com a aplicação prática da gentileza como dispositivo de transformação.
Em uma das conclusões que Denise apresenta de suas pesquisas (presentes até no fabuloso monólogo Eu de Você, que circulou em 2022 por aqui), está a observação de como a gentileza tem sido reivindicada pelo mundo corporativo de modo, de fato, estratégico e humano, para, por exemplo, fundamentar a comunicação não-violenta.
Este, inclusive, um tema central para o mercado de trabalho. “As empresas contratam pelo cognitivo e demitem pelo sócio-emocional”, disse Denise.
Foi necessário fazer um exercício de ressignificação, limando o ruído que tornava, para mim, o discurso da gentileza em algo incauto e canhestro para os novos tempos de positivismo em excesso.
Sim, um positivismo baseado numa crise estética que levou a nossa geração a um processo de alienação crônico e profundo em todos os níveis.
A gente lesa não é só uma gente passada, que come mosca ou com alguma limitação cognitiva. Refiro-me a essa gente alienada em relação ao outro, insensível à alteridade, vivendo nesta caverna chamada smartphone. Byung-Chul Han, o filósofo da “sociedade do cansaço” o chama de “prisão” ou de um “rosário, para a dominação digital”.
A letargia, essa leseira social, só pode ser vencida pelo caminho da comunicação humanizada, ou seja, a gentileza, a empatia e amabilidade. Um exercício que comecei a fazer conscientemente é o de simplesmente guardar o celular, caso alguém me peça a atenção. Largá-lo mesmo. Tipo, se meu filho quiser falar algo comigo e estou no celular, simplesmente o coloco no bolso, para não haver nem a tentação háptica de deslizá-lo para ver se chegou nova mensagem, nova notificação ou coisa que o valha.
Gente lesa precisa gerar gentileza.
Vocês viram isso?
O dono de uma padaria em São Paulo ficou tão injuriado com um cofficer (aquela pessoa que, como nós, usa cafeterias como escritório) que foi atacá-lo com um pedaço de pau. Foi detido antes da agressão.
Considero importante compartilhar este relato recente aqui, para reforçar a nossa filosofia do
. Ora, cofficer que segue nosso manual de boas práticas não passaria por isso. Sabe por que?Cofficer profissional entende que o uso da cidade deve considerar sempre o outro. Pra começar, papo franco e direto quando chegar ao café pra trabalhar. Pergunte: “vocês incentivam ou acolhem gente que quer tomar um café enquanto trabalha?”.
Ou perceba os sinais: sem tomadas, sem wi-fi, lugar apertado ou muito movimentado não são apropriados para tanto. Tome o café e deixe o PC na mochila. No caso acima, aliás, havia até plaquinha proibindo explicitamente a prática do coffice.
Aproveite e leia nosso manual aqui.
Coffice da semana: Hoy, Ahoy! Coffee
Ano novo, cafeteria nova. Passei rapidinho no Hoy, Ahoy! Coffee, só para conhecer. Não sentei lá para ficar de boa, nem praticar meu coffice — há uma bancada com umas cadeiras dedicadas a receber cofficers por lá. Mas adorei a subversão da linguagem visual da loja. Nada de minimalismo ou decoração de concreto aparente e cores sutis.
Hoy, Ahoy! era já uma lojinha descolada conhecida entre os amantes de café, pelas suas camisetas de estampas divertidas e demais badulaques legais, tipo boné, térmica etc… Não cheguei a conhecer a loja, mas ali mesmo, na 107 Sul abriu em dezembro de 2023 a cafeteria.
No cardápio já acomoda as tendências mais clássicas de cafeterias (com um brunch aos sábados). Cafés muito bem selecionados (não são torrefação), mas é evidente que quem está por trás sabe das coisas. Ótimo coado, cold brew redondinho (que pode virar um drinque não alcoólico também). Rola espresso (não tomei ainda).
Vale várias novas visitas. Esta semana mesmo devo estacionar lá para trabalhar um pouquinho.