Esta edição foi escrita acompanhada do Mokinha 209 do Cerrado Mineiro, torrado pela Pilotis, elaborado na Moka italiana
Estamos em greve. Mas eu não.
Estamos em greve, pois nós. O pronome refere-se à condição resultante de uma decisão da coletividade. Decisão esta de invocar seu direito constitucional após exauridas as negociações em outros termos mais brandos.
Eu não, pois desempenho atividades de trabalho em instância particular, em âmbito em que a individualidade não pode se articular com outros pares e demandar qualquer coisa.
A greve na Educação superior afeta, a partir de hoje, as rotinas individuais e, claro, coletivas (estudantes, motoristas, setor de alimentação, etc.). Não há greve sem perda, sanemos.
Coletivamente, revela um interessante paradoxo para estes tempos em que a lógica da dinâmica na vida do trabalho pede, cada vez mais, pelo exercício individual.
Empresários individuais, CEOs de MEI, freelancers, biqueiros e até maridos de aluguel (em tese o termo marido pressupõe companhia). Um mundo de “euquipes”.
Nisso, acredito que a greve seja um ótimo paradoxo para nos lembrar as bases em que fundamos essa sociedade regida pela moeda do suor.
Para a teoria marxista, a greve não teria como base apenas o pressuposto da reivindicação de direitos, mas sim ser ela própria um instrumento para esgarçar a luta de classe.
Mas se colocarmos mesmo o pensamento de Marx sob a ótica da pós-modernidade — o que faz de forma brilhante o geógrafo britânico David Harvey — as verdadeiras lutas se dão no campo do cotidiano e não do exercício laboral.
Daí a pós-modernidade trazer um desafio tão grande para a noção de coletividade, uma vez que trata-se de uma sociedade que não opera segundo a lógica da sociologia, em que se pesa o sujeito e sua interação com a sociedade.
Foi o pensador jamaicano Stuart Hall quem melhor apresentou essa ruptura entre o sujeito sociológico e o pós-moderno, como resultado na qual este último se define por uma lógica individualizada.
A noção de coletividade, portanto, tem a individualidade como cerne e campo de embate.
Cada vez menos se depende do outro. Veja a greve dos professores do Ensino Superior programada para esta semana. Na UnB, onde também atuo neste momento, por exemplo, a assembleia que batia o martelo pela deflagração da paralisação tomou a decisão por margem apertadíssima.
Abre ao menos uma hipótese para se pensar que os arranjos da coletividade de outrora já não operam com os mesmos protocolos hoje em dia. Pensar o todo é pensar os “eus”.
Coffice da semana: Minimalize Café (DF)
Um café minimalista. Sempre vi o Minimalize Café na busca por geolocalização, mas nunca muito evidente na comercial da Rua dos Restaurantes de Brasília (DF), a ponto de encontrá-lo por uma olhadela. Até que resolvi descer e dar a volta pelo lado detrás do comércio voltado à área residencial, que é sempre um misto de precariedade ou abandono com o charme bucólico urbano-silvestre típico das superquadras.
Fica dentro do restaurante Bardana, ao fundo, após o bufê, no cantinho à esquerda. Mas, chegando por trás, exibe uma fachada nada minimalista, em letras garrafais. Rivaliza com o módico balcão de cafés e o serviço profissional de barismo que por ali ocorre a partir das 14h, durante a semana, e das 9h, aos sábados e domingos.
Tomei bons cafés por ali, experimentei um espresso que devia uma regulagem melhor, mas ótimos V60 e prensa francesa. Acabei não comendo. Ando meio empapuçado dessas quase refeições das cafeterias, com tantos sandubas e os estrangeirismos da moda: toasts (torradas) e bowls (cumbucas).
Não é muito apropriado para um coffice. Digo, todos os lugares podem virar coffices, desde que você e o estabelecimento se atentem para nosso Manual Coffice de Boas Práticas. Mas não há tomadas estrategicamente posicionadas e o espaço das mesas é dividido com o da clientela do restaurante. Portanto, evite o horário do fim do almoço e o fim da tarde agitado gastronomicamente, e aproveite o meio do dia para tomar um café e deixar algum trampo pronto.