Café ecumênico
No trabalho remoto, híbrido ou presencial, todos os caminhos levam ao café
Esta edição foi escrita acompanhada de um Maragogipe, produzido pelo Café Portilho e torrado pela Studio Grão Coffee Roasters.
Em seu manifesto de 1883, o revolucionário francês Paul Lafargue escrevia seu famoso manifesto intitulado “O Direito à Preguiça”. Foi o início de várias reflexões de resistência ao que ele chamava de “religião do trabalho” ou de “dogmas do trabalho”. Essas ideias críticas ao sistema capitalista em ascensão e à moral da classe burguesa culminaram na sua obra mais importante “A Religião do Capital” (1887), alinhada a algumas das ideias que chegariam à nossa era pelos escritos de Max Weber em “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”.
Do mesmo modo, Walter Benjamin também defende o capitalismo como religião (uma estrutura religiosa), retomando Lafargue e indo além de Weber. Para ele, o capitalismo é uma religião puramente cultural, contudo equivalente a uma liturgia eclesiástica, com seus dogmas, doutrinas e apelo ao transcendente.
Não vou entrar de cabeça nessa longa discussão na disputa do campo ideológico — que, sim, carece de muita atualização conjuntural —, mas também não escapo dos esbarrões que virão aí postulando alguns dilemas políticos. Porém, a conversa aqui se inspira nessa ideia do capitalismo que coloca o trabalho, como sua instância clerical mais relevante, em um desdobramento de várias concepções de credo, práticas e de devoção.
A própria Bíblia Sagrada identifica uma entidade, Mamon, como sendo o deus do dinheiro. Outras religiões, como o budismo, terá, entre outros aspectos, outros adversários não necessariamente personificada, a exemplo do materialismo espiritual.
Mas o trabalho é quem convoca a devoção no mundo pós-moderno. Estamos sujeitos, submissos e dependentes dele. E não proponho uma superação desse modelo — quem o tiver, por favor, compartilhe! Mas a missão crítica nos leva a conjurar os anjos e demônios que o elevaram a este campo transcendente.
O trabalho convoca outra religião: a do café. Dentro dele há diversas seitas. A do café adoçado ainda no pó, servido nas frasqueiras de ambulantes em pontos de ônibus, a máquina de cápsula no consultório médico, as térmicas e cafeteiras elétricas da vaquinha na firma, em casa, nas dezenas de métodos disponíveis nas cafeterias hipsters com refil e bebida nitrogenada — e até nos templos e lugares de culto.
Esta bebida tornou possível a devoção ao trabalho. Mas criou fanáticos, como em qualquer ordem religiosa, os workaholics. Eles associam suas práticas hedonistas de consumo exacerbado de café à própria função laboral que desempenha no mundo. Esta inconsequência é que dá poder a este deus-café.
Café torna-se, assim, uma religião ecumênica. E seu cálice sagrado é uma xícara, ou uma caneca do brinde daquele seminário, ou o copinho descartável de 50 mililitros. Sua liturgia envolve diversos aspectos que orbitam a produtividade do trabalhador: o gole matinal para gerar a energia inicial; o pós-almoço para retirar o trabalhador do nirvana digestivo; e as pequenas pausas durante o expediente, que é onde se reúnem os principais apóstolos, entre fofocas e cigarros.
Comida de Pensar 2024
Estendemos a oferta do primeiro lote promocional para a turma 2024 do nosso curso on-line e ao vivo de Ciências Gastronômicas, o Comida de Pensar. A turma começa no dia 1º de fevereiro de 2024, com seis encontros durante duas semanas (você pode escolher integrar a turma das 14h ou a das 19h), ao vivo pelo Zoom, com direito ao acesso às gravações e certificado emitido pela Escola de Humanas.
O curso é indicado para quem curte pensar e comer. Ou pensar em comer, ou comer pensando…. como preferir. É uma imersão intensa com muito conteúdo, do professor Guilherme Lobão, que traz uma abordagem inédita acerca dos estudos da alimentação e da gastronomia. É como se fosse uma pós-graduação compacta e express na ainda precoce área de conhecimento da Gastronomia.
Assinantes pagos de Coffice têm direito a 10% de desconto em cima do valor promocional.
Coffice da semana: Padoca do CA (DF)
Um dos melhores atributos da Padóca do CA, no Lago Norte, em Brasília, é o horário de abertura, às 7h da manhã. Sem desmerecer o cardápio variado, um bom pão de queijo e o trabalho de barismo. Mas é porque quando falamos em cafeterias moderninhas, que trabalham com cafés especiais, normalmente só as encontramos abertas após as 8h, 9h, ou muitas só de tarde.
Frequentei algumas vezes a Padóca desde que abriu. Foi meu primeiro destino para um coffice após me sentir mais seguro para sair de casa lá no finalzinho da pandemia. De lá para cá, o local, situado ao final do comércio das oficinas no Centro de Aatividades (CA), aumentou a oferta. O local tem desde brunches até almoço e carta de drinques para a happy hour.
No ambiente interno, possui algumas baias para se estabelecer mais aconchegadamente. Vale fazer um coffice, mas se atente ao nosso Manual de Boas Práticas, para não fazer feio na cafeteria.