(Esta edição foi escrita acompanhada de um Cioccolato, um café catuaí amarelo da Fazenda Nossa Senhora de Fátima, do Cerrado Goiano, torrado e embalado pela Famiglia Zancanaro)
Reconhecemos o quão cruel podem ser as relações de trabalho à medida da necessidade da aplicação de eufemismos para disfarçar a brutalidade de suas demandas.
É como o luto, mas com um propósito muito mais apaziguador para quem usa os eufemismos do que para o destinatário. Ora, socialmente evoluímos se prestamos nossas condolências, usamos os caminhos da formalidade em dizer que a pessoa “voltou aos braços do Pai” ou “fez sua passagem”. Chega a ser poético — teopoético.
Os formalismos no ambiente do trabalho, por outro lado, buscam escamotear o verdadeiro sentido das coisas para o único benefício de quem os usa. Quando funcionário virou colaborador e tarefa ganhou a pecha de job, a torneira dos eufemismos jorra sem precedentes.
Chega a ser chocante assistir ao reality show O Aprendiz, lembram-se (como não)? “Você está demitido”. Trump ou Justus enchiam a boca para pronunciar as três mais duras palavras do sistema empregatício. Como se transbordantes de um prazer mórbido.
Por um lado, a psicologia por trás da gestão de pessoas propõe um caráter amenizador para o transtorno que resulta da inevitável notícia. Por outro, alimenta certos comportamentos passivo-agressivos. Alguns deles tão recorrentes a ponto de criarmos outros eufemismos para quadros psiquiátricos — talvez, desenvolvidos em decorrência desses mesmos modos mais acolchoados de se oprimir, segundo a etiqueta do trabalho.
Recorrer aos estrangeirismos se torna salutar — e vira regra. A pessoa simplesmente surtou, porém fica mais brando ao recorrermos ao termo burnout. Aliás, condição tornada verbo pela gramática popular: “burnoutou”.
O humorista norte-americano George Carlin faz um stand-up incrível sobre a sua falta de paciência com os eufemismos. “Não gosto de palavras que escondem a verdade”. Pois bem, eufemismos são justamente palavras utilizadas para nos alienarmos da realidade imposta.
O mundo do trabalho vive desta enganação. Você não entra na empresa, é bem-vindo ao time, num ambiente onde também não é seu local de trabalho, mas seu segundo lar, cujas pessoas compõem, portanto, “uma família”.
Nós mesmos procuramos diversos eufemismos para lidar com as situações colocadas pela dinâmica laboral, apenas como forma de autopreservação. Ninguém poderá mandar a outra pessoa “calar a boca”, mas poderia perguntar se “você poderia falar sobre isso noutro momento”.
Este jogo permeia todas as mais diversas relações: entre colegas, de superior hierárquico para o chão de fábrica e vice-versa. E as empresas — com seus setores de RH bem alinhadinhos com os mais novos léxicos inventados — saem sempre na frente, cada vez mais criativos.
O bom e velho “você está demitido!” vai, progressivamente, ganhando novos contornos verbais: dispensar, liberar, deixar (ir), realinhar, etc. No entanto, hoje, os modos tornam-se cada vez mais criativos e hipócritas. Há quem diga que “você seria melhor em uma função de frila, daí, entraremos em contato quando precisarmos dos seus serviços”.
Quando não o eufemismo busca justificar a demissão atribuindo a isto uma suposta nova estratégia de produtividade. Desses, pior do que o “corte de gastos” seria a pouca-vergonha da “otimização” de pessoal.
Esta tradução que não captura toda a brutalidade do termo, como no original em inglês: “smartsizing”. Este seria o “downsizing” (redução quantitativa) para uma redução “inteligente”, na qual a firma consegue demitir literalmente meia-dúzia de pessoas, um verdadeiro passaralho, sob o argumento de que estaria “otimizando” a estrutura ou “maximizando” a força produtiva.
Um dos mais incríveis exercícios retóricos sempre será quando o empregador quiser demitir o empregado pelos mais aleatórios, fúteis ou banais razões. E vamos para casa demitidos, como o ato deixará claro minutos depois do aviso eufemístico, tentando interpretar o que o chefe ou o RH quis dizer com: “optamos por outro caminho em nossa estratégia e, portanto, vamos precisar otimizar a produção, com a maximização dos gastos, para atender às novas demandas do futuro da empresa”. E eu com isso?
Coffice da semana: Café S/A (GO e DF)
Uma notícia boa e ruim, simultaneamente, para amantes de café (ou, para nos atermos ao tema da news de hoje: coffee lovers). A primeira é que Anápolis (GO), cidade fincada entre Brasília e Goiânia na BR-040, começa a entrar na cena de cafés especiais. Foi lá onde nasceu a Café S/A.
A outra é que, ao chegar nos prolíficos cenários de Goiânia (Setor Marista e Setor Bueno) e, mais recentemente, também de Brasília (na 113 Sul), esta cafeteria tornada em modelo para franqueamento se depara com um sarrafo alto no que tange a qualidade dos cafés, das extrações e do serviço de barismo.
Para o modelo logístico engessado de uma franquia, a unidade brasiliense até que se sai bem, contudo, as amarras ficam evidentes, uma vez que não se permite espaço para explorar potencialidades — e, na maior parte dos casos, nem de fornecedores diferentes.
Considero uma boa adição à diversidade de opções em Brasília, sobretudo pelo ambiente aconchegante e, no limite, favorável à prática do coffice — sempre lembrando para vocês se atentarem ao nosso Manual Coffice de Boas Práticas.
No entanto, estamos diante de um menu um tanto limitado no que tange variedades de cafés especiais (apenas alguns diferentes estilos elaborados para a marca). Um local menos para você se deliciar com um espresso bem regulado e mais afeita a servir cafés com adição de outros ingredientes “gourmet” melequentos (chantili de leite ninho, nutella, doce de leite), que tem lá seu lugar no mercado. Não seria, claro, a minha melhor opção. Mas fica a dica.