Está edição foi escrita acompanhada de um cold brew com xarope de gengibre e muito - muito - gelo do Los Baristas
Para fazer uma bela pururuca, não basta submeter a pele a um calor intenso (há técnicas e técnicas), porém, a carne, a gordura por baixo e, por fim, a pele, precisam de cozimento prévio (e lento a depender do corte).
Após bem cozida, aí arrocha na temperatura. Pode ser o banho de óleo fervente e instantâneo, por imersão, na air fryer ou no forno mesmo, como faz a chef e sócia Meg, Megume Suda, da Confraria Chico Mineiro, em Brasília, desses lugares que, semelhantemente às friturinhas, mora no coração.
(juro que vamos ainda falar sobre trabalho, aproveitem a crônica gastronômica pelo caminho).
Almoço de domingo no Chico. Este não é o nome do Geraldo, sócio e companheiro de Meg, que toma conta do salão autoproclamando-se… Chico. E não fiz foto. A comida da Meg é ótima. Melhor ainda quentinha. Estava de folga, sem blogueiragem. Aliás, não rolou nem sequer uma fotinha do tanto de pururucas e torresmos diversos que comi semanas atrás em passagem por Belo Horizonte.
O prato do dia no Chico Mineiro foi “pork belly”.
- pork belly, Geraldo? Até tu entrou nessa?
- o mineiro parece, mas não é bobo, sô. A gente chama de pork belly só pra cobrar mais caro, mas é só uma costelinha com a barriga à pururuca e o tropeirinho.
E foi quando ele entregou a receita da Meg: assar no forno baixo e, no final, subir a temperatura para pururucar a pele.
Batia uns 33° C. Ê, Brasil do aquecimento global. Verão só depois de amanhã. Mas o castigo solar vem de alguns meses. Aliás, em Brasília, a gente achava que o pior tinha passado, pois o inverno/primavera de estiagem era o grande vilão. Mas choveu em setembro. Para o dia a dia do trabalho não há sazonalidade que aguente.
Isso para dizer que queimamos, hoje, para trabalhar, para viver. Por fora. E por dentro.
Trabalhar de sol a sol. Literalmente. Quando cai o sol, fica o bafo. E muita gente não trabalha no ar condicionado. Cofficers como eu recorrem às cafeterias mais ventiladas ou com ar condicionado. E quem fica com o sol na moleira? Ou no abafado dos ambientes mais insalubres (vide a vida das cozinheiras que, como Meg, não podem colocar um ar-condicionado para não prejudicar a produção da pururuca.
Etapa 1: cozinhe lentamente em recipiente sem ventilação, para a concentração dos sulcos.
Mas o trabalhador queima primeiramente por dentro.
É a síndrome do esgotamento, o famoso anglicismo burnout (literalmente, uma queimação).
São muitíssimos os casos à nossa volta (inclusive por aqui em nossa comunidade cofficer devemos ter leitoras e leitores se identificando, infelizmente, agora).
Virou até verbo: “fulana burnautou” e entrou de atestado. Levou a casos extremos, desde quadros psicóticos à consequente (de)xistência da vida. Um calor que derrete por dentro.
Etapa 2: cheque a temperatura interna da carne. A gordura deve estar renderizada e a carne macia, quase soltando do osso.
Eis que o verão se aproxima. O que era para ser o momento da restauração da saúde mental e física, ganha uma invertida da natureza com a cultura tóxica do mundo do trabalho.
A temperatura aumenta dentro e fora do sistema. É de arrancar o couro.
Etapa 3: eleve a temperatura ao máximo e deixe pururucar, até ficar com bolhas crocantes uniformes com traços tostados. Perfeito para o consumo.
Coffice da semana: 002 Café (DF)
Muito bom o novo espaço do 002 Café. Uma iniciativa dos baristas Laís Queiroz e Guilherme Cassimiro focada em curadoria de cafés e de chás. Não fazem a torra, mas sabem escolher ótimos (e diferentes) grãos e estilos.
Funcionava até ano passado na Asa Sul, num espaço colaborativo, escondido no segundo andar, pela parte de trás do bloco comercial da 402 Sul. Era só um balcão. Não era convidativo a se acomodar e passar algumas horas de conversa ou de trabalho remoto.
Agora opera em Águas Claras, menos escondido, mas ainda escondido (ao menos discreto), preservando esse charme geográfico que lhe confere autenticidade, na Rua 4 Sul. Bem virado pra pista mesmo, na Araucárias, porém, para estacionar, tem que dar a volta. Não há também um letreiro. Na verdade, há, mas bem discreto, pequenino e impossível de enxergar da pista. Faz parte do charme.
No novo endereço, o 002 está parrudo. Mesma filosofia. Curadoria nacional e internacional de cafés, só com métodos filtrados — nada de espresso. Mas o ambiente já convida a sentar com calma. E tem wi-fi, tomadas, água da casa e comidinhas. Algumas bem diferentonas, tipo o bolo de abacate com manjericão e buttercream.
Dos cafés fui logo no geisha disponível (Geisha do Jean, torrado por Royalty Quality Coffee, passado pelo método origami (os lotes vão mudando, viu?). O calor se impôs e fomos de drink. Mocktails, na verdade. Uma brincadeira para aludir a drinques virgens à base de café.
Experimentei o 000, um incrível de cold brew com capim limão, água com gás, fatia de laranja bahia e um toquezinho de sal que elevou a bebida a outro patamar de degustação na combinação de acidez com mineralidade.
Enfim, Águas Claras entrando a sério no universo das cafeterias de cafés especiais e de qualidade. Prestigiem.