Pequenas utopias
Café decente, férias remuneradas, saúde mental preservada, são muitos os sonhos no horizonte do trabalhador
Esta edição foi escrita acompanhada de um blend preparado pela produtora Paula Magalhães Paiva, da Fazenda Recanto, em Machado (Sul de Minas), torrado por Civitá Cafés Plurais e extraído na Moka.
O mundo do trabalho nos reserva diariamente pequenos infartos. Aquele e-mail sensível enviado sem anexo; aquela ligação do chefe de “precisamos conversar”; aquele cliente que quase escapou na renegociação…
Tão rotineiro quanto são as pequenas utopias. Aquelas até possíveis, embora inalcançáveis para a maioria dos trabalhadores de chão de fábrica — e muitas vezes inegociáveis pelo alto escalão.
Poderíamos nos referir àquela sexta-feira casual, sem a obrigatoriedade da farda (e do farto) do uniforme corporativo; ou até do horário estendido (e condizente) para o almoço com o reforço de um VR bacana.
As pequenas utopias se revelam na busca por um alívio, um fôlego, ou um alento em meio ao turbilhão que a vida de tantos empregados e CEOs de MEI, explorados (ou autoexplorados) dentro das convenções do sistema ao qual estamos submetidos.
Pegue o microempreendedor individual, por exemplo. Vivendo às custas de si, só pode produzir riqueza se explora sua própria mais-valia. Sendo que, neste caso, tal mais-valia revela-se numa menor discrepância em relação ao da produção capitalista tal qual conhecemos, pois a noção de lucro aqui se confunde com tudo: pró-labore, margem, capital de giro, perdas eventuais e até as logísticas de deslocamento.
Veio, então, o imposto do MEI. Não é nada, não é nada, eis uma pequena utopia que se desenha no horizonte: um pequeno investimento em troca de uma pequena possibilidade de “sustentação” para o futuro. Compulsória, quase insignificante, porém, legítima.
É o asfalto próximo à moradia, é o mínimo de empatia e respeito de colegas, de chefes e da própria sociedade para o trabalho desempenhado;
É a folga, ou as férias, o gozo do fim de semana de pé pra cima ou mesmo uma tulipa gelada coroada pelo creme espumoso do chope pra distrair, como cantava Paulo Diniz;
É a segurança de que não haverá abuso moral ou violência de qualquer sorte pelo mero cumprimento das tarefas designadas;
É o entendimento de que todo mundo deveria tomar aquele café livre do jugo da commoditização da produção agrícola e ter um up na qualidade da cesta básica…
Muitas vezes o que chamamos de utopia é só luta por direito mesmo, por conferir algum grau de equilíbrio à assimetria das relações de poder e do microgerenciamento passivo-agressivo ao qual somos, muitas vezes, submetidos no mercado de trabalho.
Galeano aponta que utopia se encontra somente “lá no horizonte”. Ao horizonte apenas se vai e nunca se alcança, mas é o que define e permite a jornada. Nas palavras mais sábias e precisas do autor:
“Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”
Eduardo Galeano
Coffice da semana: Civitá Cafés Plurais (DF)
Sim, já resenhamos o Civitá Cafés Plurais, situado na Asa Norte em Brasília. Aliás, é uma das nossas cafeterias favoritas, detentora do Selo Coffice. O motivo do destaque é urgente. O Civitá precisa ajuda da nossa comunidade de cofficers (assinantes e leitores desta news).
A infraestrutura de Brasília não tem suportado as chuvas torrenciais de verão. Muita gente sofreu com as consequências desses problemas estruturais (aliados à crise climática que vivemos globalmente). O Civitá foi um desses. O temporal arrasou equipamentos, lotes de cafés e outras coisas. Um prejuízo enorme: mais de 80% dos grãos verdes perdidos e torrefadora inundada.
Coffice se soma ao coro de solidariedade para levantar ajuda à cafeteria. Por este motivo divulgamos aqui este vídeo chamando você para colaborar com o financiamento coletivo, disponível no Kicante, por este link.
Ah, e se não puder ajudar no financiamento, vai lá tomar um café, bater um rango, que já ajuda — e você ainda ganha demais com isso.