Esta edição foi escrita acompanhada de um coado Terra Nova, um Arábica do varietal favorito do momento pra mim, Arara. Produzido em Vargem Bonita (DF), por Paulo Nenevê, torrado por Ahá Cafés, especialmente apresentado no Coffee Brasília 2023, que rolou no fim de semana.
Não há trabalho que se sustente sem o ócio. Mas o próprio ócio não existe por si, fora do contexto laboral — embora não necessariamente sob a lógica produtivista em que o torna recompensa para quem se dedicou, se sacrificou ou se lascou todinho pelo trabalho. Ao menos tem sido essas algumas das lições concluídas com reiteradas leituras de Domenico di Masi.
Quando ele lançou sua obra mais famosa, O Ócio Criativo, em 1995, aquilo marcou uma virada (entendi muitos anos depois) na formação da minha geração, espremida entre a Gen X e os millenials. Tive contato com essa ideiana faculdade, uns três anos depois. E tudo fez muito sentido. O ócio criativo seria o ápice do equilíbrio de uma vida secular plena, em que trabalho, descanso, lazer e contemplação formariam juntos um acorde harmonioso.
A vida, contudo, seguiu na dissonância — e no desafino, no ruído branco e no estrondo apocalíptico. Tudo errado num mundo, cuja solução para tudo vem historicamente embalado como reforma. Da protestante à agrária. Da língua portuguesa à trabalhista. E, agora, a tributária. O projeto de reforma, em tese, busca novas saídas para as relações em desequilíbrio se encontrarem ao menos na mesma pauta, com a mesma clave.
Domenico di Masi se despede deste mundo deixando esta última contribuição para a questão do trabalho na pós-modernidade. Com sua eloquência popular e rara habilidade de colocar ideias em papel de modo objetivo, porém complexo, e fácil, porém desafiador, Di Masi morreu neste sábado (9/8), aos 80 anos, e esta edição é dedicada à sua memória.
Afinal, por aqui nunca pretendemos discutir o trabalho sem a dimensão do ócio. Está em nossa missão (ou descrição, bio, o que preferirem chamar), leiam lá.
Coffice, conceitualmente, não quer atender a essa possibilidade de ser um espaço de coworking. Coworking, o nome já diz, limita tudo ao trabalho. Coffice atende ao chamado do ócio criativo, pois considera justamente que esta cisão na rotina, no espaço, para o uso (mais uma vez criativo) da cidade.
É adequar o seu trabalho ao local do ócio criativo por excelência. Cafeterias são o posto da restauração e não da jornada. Convenientemente aproveitamos o pouso para produzirmos, acompanhado de um café bacana, comidinhas legais e de pessoas conhecidas ou não, por afinidade afetiva ou profissional.
Corri para ler numa sentada sua derradeira obra: Uma Simples Revolução - Trabalho, Ócio, Criatividade: Novas Rotas para uma Sociedade Perdida (lançada em 2016 pela Rizzoli no original italiano e, em 2019, a tradução brasileira pela Sextante). Mudei a programação desta edição para dividir com vocês o tema inevitável e o personagem central para essas ideias dentro da Sociologia do Trabalho. Cá está.
De volta às reformas acima introduzidas, Di Masi propõe a ideia de revolução. Mas não uma revolução tal qual foram as do passado. Mas uma pela via da simplicidade. Há ideias que, lidas soltas, incorrem em grande polêmica, porém, não se estruturam desta forma.
“Se este não é o melhor dos mundos possíveis, é ao menos o melhor dos mundos que já existiram até hoje”
Domenico di Masi
Curioso chamar 2023 (ou 2016, quando lança esta obra) de melhor dos mundos. Para o Brasil, inclusive, foi a descida para o abismo do obscurantismo de longos quatro anos que passamos. Mas e em 2999? Uma Simples Revolução acontece aqui, quando a ambição tecnológica já não se detém a discutir viagens espaciais e hoverboard voltou a ser conversa de 2015.
Na transição para o quarto milênio, uma civilização ociosa, dedicada à introspecção, à amizade, ao amor, à brincadeira, à beleza e ao convívio descobre assim que os seus antepassados (nós"!) eram seres estranhos interessados apenas na luta pelo poder, pelo dinheiro e pela posse de bens materiais.
Esse diálogo com a ficção científica de Di Masi nos convida a colocar os pés no chão do que verdadeiramente importa no presente. Utopicamente, ele nos projeta a uma sociedade que possibilitou libertar o nosso tempo do trabalho para explorar, em profundidade de propósito, alteridade e empatia, todos os recursos que a tecnologia oferece.
Ou seja, a ociosidade criativa, e seu chamado à contemplação, seria uma saída para os obtusos modos de produzir mudança e garantir o futuro. Até porque, no passo e compasso em que estamos hoje, com os modelos ao qual nos dedicamos, sabemos que há um futuro bem improvável para a vida na terra.
Di Masi, um grande admirador da cultura e da inteligentsia brasileira, declarou em uma das suas entrevistas por ocasião do lançamento do livro, ser inspirado pelos ideais modernistas nacionais — os quais, paradoxalmente, apontam caminhos reformistas.
Uma de suas citações favoritas é de autoria de Gilberto Freyre: “Se depender de mim, nunca ficarei plenamente maduro nem nas ideias, nem no estilo, mas sempre verde, incompleto, experimental”.
Importante perceber essa abertura para a experiência, pois ela está na base do conceito do ócio criativo e de uma perspectiva revolucionária da simplificação da vida.
Descanse em paz, Domenico di Masi!
Coffice da semana: Elisa Café e Torrefação (MG)
Um dos nossos mais recentes contemplados pelo Selo Coffice foi visitado e resenhado especialmente para a newsletter Coffice pela jornalista, escritora e cronista gastronômica Mariana Vieira, da newsletter parceira e vizinha Conchas, um restaurante imaginário que abre as portas aos domingos. E que, aliás, está com uma belíssima crônica. Façam-se um favor e leiam “O ingrediente mais caro do mundo”.
Colab Conchas + Coffice
Esse texto foi escrito com uma dose dupla de coado no Batch Brew do Chácara Vista Alegre, do Elisa Café. Catuaí vermelho e amarelo de grão lavado, com notas de mel, limão e chá-preto.
Por Mariana Vieira
O Elisa Café e Torrefação é uma dessas cafeterias que poderia estar em qualquer cidade efervescente do mundo pelo seu caráter cosmopolita. Calhou de estar em Belo Horizonte (MG). Sorte dos mineiros e dos visitantes que podem degustar quitutes próprios da região em versões bem executadas. Pão e biscoito de queijo, bolo de fubá, tudo gostoso e fresquinho. E, também, versões de clássicos globais: croissant, cinnamon roll, cookies com gotas de chocolate, toasts com pão sourdough.
E, claro, a estrela da casa: cafés de torrefação própria, de grande qualidade, extraídos em diferentes métodos, com destaque para o Gina, uma cafeteira inteligente high-tech que não é tão comum de se encontrar. A aeropress é outra opção para degustar os grãos premiados, e da La Marzocco branca saem os espressos para uma infinidade de preparos, com direito a seção própria no menu, sob a alcunha de Espresso Bar.
Para os cofficers em um orçamento limitado, recomendo o coado do dia (150ml), por R$ 8, feito no Batch Brew, ou o combo de café da manhã que, por R$28, entrega ovos mexidos com presunto de Parma e queijo ralado, uma fatia de bolo de fubá e uma xícara de café coado. Servido das 9h às 13h.
Considerações para o trabalho remoto no Elisa Café: as tomadas ficam na parte de dentro, e, se for usar, recomendo chegar cedo e pegar as mesinhas laterais. Se não for o caso, as mesas de fora recebem um sol gostoso, bom para ver a vida passar no bairro Savassi, um dos mais descolados da capital mineira.
Água da casa é servida à vontade, as cadeiras são de madeira, mas garantem o conforto para poucas horas de labuta. As mesas para duas pessoas são um pouco próximas umas das outras, então talvez não seja o caso de fazer aquela videochamada mais privada. Se estiver de passagem pela cidade, vale a pena escolher um pacotinho de café e levar pra casa ou presentear aquela amiga aficcionada por bons grãos.