Esta edição foi escrita acompanhada de um macchiato duplo extraído a partir de grãos catuaí vermelho e amarelo produzidos por Café Minelis, nas fazendas Novo Horizonte e Canaã, respectivamente em Sobradinho e Brazlândia (DF)
No protocolo social das relações de trabalho, quando saímos de um trampo para outro recorremos a frases prontas do tipo: “explorar novos ares”, “fim de um ciclo”, “recomeço”, “abrindo-se a novos desafios”. Às vezes, pisamos feio na bola, tomamos uma justa causa, mas o que sai no post do LinkedIn é a narrativa do desbravador, corajoso e aventureiro. Pode nem ser grave, o desemprego bate à porta às vezes (com alguma persistência em determinados tempos). Quem muda o status para “desempregado”?
Estive nesta situação, de subir a hashtag "#opentowork e meter as caras buscando uma nova oportunidade (nunca fiquem com vergonha disso, tá, jovens?). Carrego comigo uma máxima para situações como essa: desempregado, sim; desatualizado, não; desocupado, jamais. Sobre esta questão a gente fala numa próxima ocasião. Porque hoje é dia de mudança.
Em dia de mudança, a gente perde e a gente acha; a gente esquece e a gente se recorda. Esta seria a mudança do deslocamento espacial. Tempo importante para exercitar o desapego — embora na mudança que acabo de fazer pro meu apê o exercício tenha sido do apego (esse desdobramento não vou expor e deixar só na intimidade mesmo). Até porque venho falar de outra faceta da mudança.
Mudamos porque nosso imaginário foi construído sobre esquemas mitológicos que colocam a mudança como marco zero da nossa jornada. No clássico “O Herói de Mil Faces”, Joseph Campbell depura essa característica elementar da humanidade, cujas narrativas apontam sempre para um estatuto da mudança. Ao menos na estrutura apelidada de jornada do herói — e serve até hoje como base para a produção de histórias, sobretudo na ficção.
Estamos na era da narrativa. Hoje somos arquétipos ambulantes, previsíveis e autorreferenciados como personagens das histórias mais batidas. Vivemos de mudança em mudança, e de clichê em clichê. Até os algoritmos das redes sociais alimentam esse simbolismo. Experimente anunciar uma grande (ou mesmo pequena) mudança no seu feed social. O engajamento aumenta. É como os 15 minutos iniciais de um filme ou as primeiras 20 páginas de um livro: a aventura começa quando se anuncia a mudança.
Para começar, mudar é preciso. Mudança de atitude, sim, mas mudança física, geográfica também. Curiosamente, em quase todos os empregos que tive participei de mudanças. Mudança de endereço, de sala, alguns com caminhão e tudo. Certa vez foi a reforma do prédio público onde estagiava. Ressignifiquei a expressao “perdido igual cachorro em dia de mudanca”. Estagiário fica igual. Não fora avisado de nada e, de repente, aquela cadeira boa sem nheco-nheco que você se esforçou para conseguir tava embalada em papel bolha. Adeus.
Mudei de sala, mudei de andar. Em certo trampo mais de duas vezes num só ano. Ninguém queria o departamento de Comunicação perto. Até pintar a primeira crise de imagem. Por fim, ganhamos até varanda e jardim, vizinho ao gabinete do chefe. Ó que beleza?
Mudar simbolicamente também é necessário, mas não necessariamente bom ou vantajoso. Na própria mítica do herói, podemos mudar por desejo de fazer ou conquistar algo (um sonho, um campeonato, uma bolsa de estudos), ou por imposição das circunstâncias da vida (falência, um desastre, um acidente, uma morte na família e, para não ficar só em tragédia, ganhar na loteria, passar num concurso público de cinco dígitos).
Ou seja, estamos em curso, “num indo e vindo infinito”. Podemos olhar para a mudança como oportunidade, pois toda mudança gera crise e, diriam os coaches (talvez numa das poucas vezes de modo assertivo), crise gera oportunidade. Mais uma vez: oportunidades pode ser bom ou ruim, fazer bem o mal. Pode até nos deixar na mesma.
Mudar também impõe uma necessidade do retorno, na mítica do herói. Mudamos para nos mudar e, após a jornada, impactar outras pessoas, seu mundo íntimo ou o mundo real que seja. É por isso que mudança também gera medo, ansiedade, insegurança. Até mesmo se for para a viagem de volta. Afinal, voltar também gera mudança. Uma mudança ainda maior, eu diria. Porque mudamos a nós.
Coffice da semana: Curumim Forno e Café (DF)
Se tem uma região ainda pouco explorada, mas com grande potencial para reduto gastronômico em Brasília (DF), são as quadras 700. A Asa Norte ficou craque em ressignificar a antiga avenida detrás da W3 outrora ocupada por concessionárias de usados e oficinas mecânicas. As oficinas estão lá, mas dividem espaço com uma cena prolífica de cafés.
O mesmo começa a ocorrer na Asa Sul. E um dos redutos que tenho frequentado para um coffice é justamente o Curumim Forno e Café, ao lado do Previ, na altura da 712/912 Sul. Ele não tem a pegada mais jovem e hipster da Asa Norte. E faz bem a cara da Asa Sul. Uma casa elegante, entre o rústico e o clássico, ampla, com serviço para toda a jornada do trabalhador. É cafeteria, com uma seleção modesta, mas eficiente de cafés especiais (trabalham com o Minelis, bom café produzido localmente).
Cardápio extenso convida para almoço (com bufê) e até jantar, quando se toca fogo na lenha dentro do forno de alvenaria para soltar pizzas com massa de fermentação lenta. Um local bem família e amplo. Para o praticante do coffice, é importante se atentar aos horários de pico e procurar trabalhar no meio da manhã ou da tarde, quando é mais sossegado. Aliás, topei com meu ex-aluno de jornalismo e, hoje, excepcional repórter investigativo do Estadão, Tácio Lorran, praticando um coffice por ali. Fica um abraço para este querido talento.
No mais o Curumim tem ótima estrutura, wi-fi, água da casa e bons salgados e cardápio de lanches (destaque para o biscoito de queijo frito, que você só encontra em lugar que tem o pezinho lá na roça, fica a dica).
Aliás, o espaço amplo do Curumim permite também ao nômade digital um serviço de coworking mesmo. Lembro a vocês que coffice não é o mesmo que coworking, tá? A ideia de coffice é aproveitar a dinâmica da cidade, dos cafés e da vida. Na casa, você pode aderir, de terça a sexta, em turno matutino ou vespertino, ao coworking por R$ 24,90. O preço dá direito a pão de queijo e café coado na Bunn à vontade. Olha aí.