Esta edição foi escrita acompanhada de um espresso Lagoinha, catuaí amarelo do Sul de Minas, produzido por Matheus Avelar, e processado por meio de fermentação induzida e torrado por Royalty Quality Coffee, em Curitiba.
Se há uma instituição que representa a classe trabalhadora em qualquer lugar do mundo, esta seria a marmita.
Segunda-feira, 6 horas da manhã, e nossa cafeteria-escritório do ciberespaço está aberta e de marmita pronta para encarar o dia (e a semana). Folhas lavadas, secas e, logo porcionadas e embaladas em saquinhos herméticos; arroz novo (parte na geladeira, parte no freezer), feijão idem. De manhã cedinho é passar o bife, o ovo ou sua receita proteica vegetariana favorita para fechar, fresquinha, a tupperware.
Eis o mise-en-place da matula que viajará para cumprir a jornada laboral. E temos nós, nômades digitais da classe trabalhadora, que precisamos bolar outras estratégias (um rango frio, que é só destampar e comer, ou comer na rua mesmo). O mundo digital dificilmente emite o VR.
Mas estamos todos congregados em torno da marmita, do marmitex, da quentinha, da bóia-fria. Tem até aquela do restaurante, que não demos conta (os americanos chamam-na doggy bag — sempre adorei esse nome).
Num país de taxas avassaladoras de fome e insegurança alimentar, não é possível considerar um mercado de trabalho sem colocar na pauta a premissa da alimentação. As premissas, aliás.
Ainda quem não se encaixa nos 33 milhões em situação de vulnerabilidade dietética, deve pertencer a outros grupos em que alimentação impacta diretamente a força de trabalho. Seja pela limitação financeira, pela qualidade do alimento e pela estrutura fornecida pela firma (desde espaço físico e eletrodomésticos a… tempo).
Cada qual sabe de seu corre, mas gostaria de chamar atenção para a dimensão psicológica também. Estresse e a cultura do consumo de ultraprocessados, por exemplo, colocam em risco a vida do trabalhador. Podemos só culpabilizá-lo, certo? Afinal, são escolhas que ele faz. Errado. Há, por trás da grande crise da alimentação, fatores comerciais poderosíssimos (do lobby do agronegócio às narrativas perversas e hipócritas do marketing das indústrias).
A marmita é diretamente afetada por tudo isso. O que carregamos em nossa matula? Há escolhas conscientes e inconscientes. Longe de mim pagar de fiscal de marmita alheia. O que pretendo em levantar essa discussão é, sobretudo, nos fazer considerar que a qualidade da comida que transportamos no batidão do dia a dia não vai só arroz e feijão.
Devemos observar as dimensões nutricionais, sensoriais e até filosóficas, políticas e comunicacionais da marmita.
Você não é o que você come, mas sua marmita (e toda a complexa teia que abordamos a nos permitir acesso à alimentação em meio ao expediente) está carregada de simbolismos e convoca diversas disputas.
Quando comecei a trabalhar e ter meu dinheiro, não pensava em marmita. Queria é comer fora todo dia. Do restaurante logo me vi recorrendo ao fast-food. Não me importava e nem sabia como essa falta de prioridade à observância alimentar me prejudicaria. E não falo simplesmente de seguir tabelinha da nutri.
Muita gente olha para a marmita com preconceito. Há uma cultura da classe média empoderada que sempre colocou a marmita como recurso pertencente a uma casta abaixo dela. Crises e mais crises que enfrentamos no século 21 acho que fez diminuir essa visão tacanha e preconceituosa.
Marmita é dignidade e todo mundo tinha que ter direito a ela.
Coffice do dia: Studios Coffee (SP)
No nosso giro paulistano, mais um coffice que irá integrar a lista de contemplados pelo Selo Coffice - Atestado de Qualidade de Cafeterias em São Paulo.
Estamos lançando a lista a conta-gotas. Serão 5 de SP ao todo, que se somam às dez de Brasília, duas de Goiânia e uma de BH. Essas serão só as primeiras. O selo é bem democrático e quer chegar ao máximo de cafeterias adequadas à filosofia Coffice. Não bsasta ser um local apropriado, minimamente, ao trabalho remoto, mas considera qualidade no serviço de barismo profissional e vibe do local.
Pois vibe resume o Studios, situado na Praça Benedito Calixto. Urbano, muito musical e afeito à cultura dos sneakers (tênis), é um bom lugar para estacionar a bike, tomar ótimos cafés e comidinhas bacanas (empanadas e a confeitaria jovem e moderninha de cookies e cinnamon rolls, que se espalhou pelo Brasil).
E, claro, um bom lugar para puxar o computador para trabalhar ou fazer reuniões das mais informais. Até porque reunião formal demais pode muito bem ser um e-mail.
Hoje mesmo fiz a minha, típica consequência do churrasco de fim de semana. Uma vertente boa pra quem não pode aquecer a marmita é seguir pelos preparos mais orientais, a bentô mesmo.
Adorei a defesa da marmita! Acho um luxo esse item.