Segunda-feira, dia internacional de arregaçar as mangas. Mas ainda não chegou o tempo de arregaçar as outras mangas, vale advertir.
De trás pra frente: arregaçar as mangas no sentido de colhê-las das mangueiras. Arregaçar = juntar, arrematar no regaço (colo). Falo da espada, da coquinho, da ubá, da rosa, da coração de boi, não das americanas tipo exportação que dão o ano todo. Em respeito à sazonalidade, as mangas estão muito verdes, pequenininhas, algumas ainda florescendo, para alcançarem todo o dulçor e suculência mais perto do verão. Temos tempo, tenham calma.
A segunda já não quer esperar. Não deixa tempo de se juntar no regaço, portanto a etimologia da expressão precisou mudar. Arregaçar, de dobrar, amassar, puxar. As mangas? Nem a fruta, nem o verbo de zombaria — mais usado no Nordeste. Mangas da camisa. Manga comprida.
Arregaçar as mangas é o bordão usado para marcar o início de um labor. Curiosamente, de trabalhos manuais. O colarinho branco não arregaça as mangas para trabalhar, mas para o labor incidental, que atropela a rotina. Furou o pneu do carro? Arregaça as mangas.
A expressão, já há muito domesticada, habita nosso imaginário como sinônimo do marco inicial da jornada de trabalho e não apenas de uma tarefa fruto de alguma intercorrência do dia a dia.
O gestual do trabalho tem dessas curiosas, marcantes e, neste caso, consagradas coreografias do savoir-faire em todas as suas mais particulares instâncias. Estalar os dedos, pendurar o paletó na cadeira, descansar os pés naquele apoiador ergonômico por baixo da mesa e, claro, os goles de café da mão que se reveza entre o teclado.
E em cada situação de trabalho esse gestual vai mudando. Atendimento ao público é de um jeito, serviços operam de outra maneira, contabilidade tem sua forma, professores outras.
Aliás, com os professores é muito engraçado como funciona o arregaçar das mangas. Há toda uma dinâmica na sala dos professores: todo um burburinho acontecendo nos poucos minutos que precedem a aula. Piadas de professores para todo lado, gente compenetrada preparando algumas últimas coisas antes de se encontrar com os alunos e o gesto coletivo do levantar das cadeiras e poltronas, vestir a bolsa ou a mochila e sair em bando se distribuindo por entre os corredores de salas de aula.
Arregaçar as mangas é expressão fruto do dress code formal. Herança da tradição portuguesa, que institucionalizou a manga comprida. Hoje podemos ver claramente que se traduz como um postulado da distinção. Este termo foi conceituado por Bourdieu para se referir ao modelo de sociedade em que pesam fatores econômicos nas práticas culturais e sociais, conferindo diferenciação entre pessoas e grupos.
Nos estudos classistas, podemos compreender perfeitamente este sintoma da distinção na organização do trabalho moderno — e, por decorrência da insistência nos modelos neoliberais, do trabalho pós-moderno também.
Arregaçar as mangas participa também desta elitização do entendimento popular acerca do trabalho, em que os verdadeiros ocupados vestem terno, sobre suas camisas compridas. A ilógica instituição europeia que, durante a colonização, não lembrou do Brasil tropical, para aliviar dos trabalhadores o uso da manga cumprida. Que nada. Fica a expressão distinta para os colarinhos, porque os uniformes da classe trabalhadora já vêm de mangas arregaçadas.
2° Matula Film Festival
Estava há semanas na expectativa de anunciar para vocês que teremos a segunda edição do Matula Film Festival, festival de cinema e comida do qual tenho a honra de assinar a curadoria, sempre na parceria com a idealizadora e diretora do projeto Daniela Fernandes, da Le Petit. Será a segunda edição, mas a primeira no formato presencial, na terra onde nasce a matula (o conceito) o Matula (o festival): Belo Horizonte.
Então, queridas leitoras e leitores, aproveito o espaço para anunciar pra vocês nosso belo festival de cinema harmonizado com indicações de comidinhas, botecos e restaurantes pelo curador gastronômico Nenel Neto. Ocorrerá de 27 a 29 de outubro agora, no Mercado Novo de BH, em parceria com a Bienal da Gastronomia. Esta semana vamos anunciar a programação completa com a seleção dos filmes, todos de temática gastronômica. Acompanhe (e siga) no Insta e no site oficial (em breve).
Coffice da semana: Cafezinho (DF)
Cafezinho é uma casa já estabelecida na Asa Norte. Deixou o antigo endereço do outro lado da rua do Sebinho, na 406 Norte, e subiu para pegar o posto de uma ótima lanchonete-cafeteria que funcionou por anos na 309 Norte (e que não consigo me lembrar de jeito nenhum o nome, me ajudem por favor!).
O bom do Cafezinho dos tempos que conhecia antes da 309 é que melhorou um bocado tanto na oferta dos lanches como, principalmente, do café. Não é uma casa de cafés especiais, mas do chamado tipo superior. Torrados pela Café Artesanal, a partir de grãos 100% Arábica cultivados em Planaltina (DF), os cafés coado e espresso cumprem bem a função, de acompanhar empadões, pão com lombinho e outros lanches reforçados.
A casa serve refeições também. Ou seja, caso você queira passar no Cafezinho para algo além de um cafezinho, como um coffice, atente-se aos horários de pico.