Esta edição foi escrita acompanhada de um chá infusionado Moncloa Adorable, para mostrar que chazeiras e chazeiros são bem-vindos na nossa cafeteria-escritório
Senti-me pessoalmente ofendido quando me chamaram certa vez de millennial. Nada contra millennials (pelo jeito sou um pouco), mas sempre me compreendi pertencido às tribos formadas na geração X, a que Renato Russo chamou de “Geração Coca-Cola”. Certamente meu espírito pertence a ela, mas muitos de meus modos ecoam como advindos da mente millennial, ou geração Y. Dizem que a X vai até 79 e a millennial começa em 81. Pois nasci justamente em 80, às vezes absorvido por um, noutras pelo outro.
O fato é que a geração X não crescemos pensando muito sobre nossa própria geração. Este é um traço muito mais millennial — sobretudo quando estes passaram a lidar com a crise da sucessão, quando a juventude Gen Z começa a ganhar holofotes e, principalmente, as novas vagas de emprego.
Quando millennials ainda eram bem jovens — ainda ingressando como engrenagem do produtivismo capitalista — ainda se podia considerar a máxima do “respeito aos mais velhos”. Tudo bem que temos aí um eco dos baby boomers (a geração do pós-Segunda Guerra, da classe média branca empoderada, ao menos nos centros urbanos ocidentais.
Enquanto jovens revolucionaram o mundo social contemporâneo, com ideais emancipatórios, Woodstock e uma rebeldia que consolidaria o imaginário pop para todo o sempre. O problema é que os baby boomers envelheceram e encaretaram. De repente, passaram a demandar que fossem respeitados por serem mais velhos.
Essa eterna disputa geracional tem em Stuart Hall, grande pensador jamaicano, uma questão importante a se considerar: a questão pós-moderna. Diferentemente dos tempos remotos, que antecedem a segunda metade do século 20, as gerações são marcas da identidade fragmentada do ser humano nesta pós-modernidade. O conflito é interno e externo. “No meu tempo era melhor” é passado de geração a geração, cada vez mais significando menos.
Mais do que sentimento nostálgico, essa substituição veloz de gerações a cada 15 ou 20 anos, reflete o sistema caótico de mútuo desrespeito, incompreensão e desordem informacional em que estamos inseridos no dia a dia do trabalho. Respeitar os mais velhos não era uma máxima de perpetuação do conservadorismo religioso-escravocrata contra a qual os baby boomers lutaram. Mas se tornou uma regra salutar para o convívio, a formação e até a necessária repreensão ao etarismo.
A Netflix criou um compilado de stand-ups do seu catálogo só com tretas acerca dos conflitos geracionais. Por trás das piadas há muitos fundos de verdade — mas, também, há muita coisa que é só ofensa mesmo.
Veja, no ambiente de trabalho desta geração em que convivemos, tempos baby boomers aposentados ou em vias de; a geração X ocupando os postos mais altos inclusive do debate público; millennials absolutamente perdidos (a turma do se reiventando na pandemia) e a gen Z apresentando sintomas subsequentes dessas demais onde, ou ignoram os mais velhos e sentem-se o umbigo do mundo por nascerem com cordão umbilical wi-fi ou são altamente dependentes emocionalmente para as mais simples tarefas.
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A questão geracional para as novas relações de trabalho entram num turbilhão de disputas etárias que carece da compreensão produnda do que Hall já nos alertava sobre a identidade deste sujeito pós-moderno, que vive sob o signo de uma “perda de si”.
O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ''eu" coerente
Hall, Stuart, 1987
Teorizar ou concluir qualquer coisa acerca dessas novas gerações é exercício contínuo, visto que conforme Hall diz, quem se aventurar a fazê-lo correrá risco certo de ter sua tese desbancada em pouquíssimo tempo.
O que notamos com as relações e os conflitos geracionais, iluminados aqui por Hall, é que as principais questões a serem superadas estão em nós. As identidades mudam com a dinâmica do mundo e, cada vez mais, este mundo reconfigura o modo como pensamos, agimos e nos relacionamos. Uma máxima que devemos preservar, contudo, independentemente de geração é a do respeito. E não só aos mais velhos. A todos.
Coffice da semana: Café do Lago (DF)
Não faço distinção entre cafeterias. Visito todas as que consigo e relato sempre por aqui. Faço este preâmbulo porque relutei em ir ao Café do Lago, uma cafeteria e bistrô na QI 5 do Lago Sul, região administrativa mais nobre do DF para quem é de fora pegar a referência.
O motivo da relutância se deveu à modinha de “imprimir” foto na espuma do latte. É como se a latte art fosse alçada à crise da aura benjaminiana, do objeto de arte na era da reprodutibilidade técnica. Ah, minha veia de pesquisador das estéticas e dos sistemas de percepção sempre dá uma bugada. Porque, de um lado, eu sou bem anti-Benjamin e acredito no valor da reprodutibilidade para além de aura. De outro, não tolero trend gastrô: carne de ouro, espaguete na taça…. cappuccino com fotinha a um preço exorbitante (tipo uns 40 conto)… Mas entrei, por vocês, em nome do jornalismo gastronômico. O resultado tá aqui ó:
Curioso como o Lago Sul, região de altíssimo poder aquisitivo (um dos maiores per capita do país), nunca conseguiu ter um bom roteiro de padarias, confeitarias e, mais importante, cafeterias. Há os restaurantes do Pontão, os da QI 17, o Gran Cru, agora o Cozze, mas de café, nada. O Café do Lago é uma dessas raras casas que aparecem. Daí o valor que dei ao coffice que fiz por lá dia desses em trabalho remoto.
Boa confeitaria, com pudim fornecido pelo Pudim do Kiko, que é ótimo. Os macarrons achei um tanto grosseiros. Há um cardápio bacana de bolos, brunch, com clássicos de toast a ovos com bacon, waffles e panquecas. Funciona também como bistrô, com refeições no almoço e no jantar.
Para um coffice, as mesas são mais apropriadas para reuniões, mas dá para encontrar um canto apropriado, ligar o computador e desfrutar de um wi-fi e água da casa, entre goles de espresso bem tirado e, claro, o latte com fotinha.