Esta edição foi escrita acompanhada de um cafezão feito na moka com grãos catuaí amarelo da Fazenda Capadócia, produzidos por Augusto Borges em São Gonçalo do Sapucaí, na Mantiqueira de Minas
“Café para substituir uma refeição”. Embora seja um elixir de energia, de untuosidade acre e aromas dos mais pujantes do universo gastronômico, café não é refeição. Este foi um dos sintomas extraídos de personagens em uma reportagem de cinco anos atrás da revista New Yorker, para o fenômeno do universo laboral que marcou a década passada: a gig economy. Na tradução literal seria economia dos bicos. Ou seja, uma economia do trabalho baseada em frilas. Frila, apelido aportuguesado do estrangeirismo freelancer, ou freela.
A matéria de Jia Tolentino aborda a start-up Fiverr, que se tornou um dos maiores marketplaces para recrutamento de freelancers nos EUA (e no mundo), cujo slogan se lê: “In doers we trust” (nos realizadores nós confiamos), um jogo de palavras de uma pós-modernidade meio iluminista a romper com o lema máximo o capitalismo cristão norte-americano: “in God we trust”.
De lá pra cá, só fez aumentar o volume de demandas por contratos temporários, pontuais, informais, descompromissados - e o futuro aponta para mais complexidade nas novas estruturas da empregabilidade. O mundo dos jobs, dos trampos, dos corres, dos bicos (gigs), ou seja, dos frilas.
Foi a economia dos bicos que deu luz à plataformização dos serviços. Embora falemos deste assunto com ênfase em companhias tecnológicas como Uber, iFood e Air BnB, a vida do trabalhador remoto passou a depender demais de plataformas de contratação e disponibilização de jobs: Workana, Get Ninjas, 99Freelas e, claro, LinkedIn e Fiverr - há tantos outros e, mais ainda para cada nicho (o Habitíssimo e o Homify, por exemplo, pretendem conectar arquitetos autônomos aos seus clientes).
A reportagem citada acima, trazia a problemática da campanha da Fiverr estampada no título: “A economia dos bicos celebra quem se mata de trabalhar”. Ora, não é bem uma escolha, muitas vezes. A gente aqui não está falando do workaholism, tema de newsletter até recente. O viciado em trabalho usa a atividade laboral como remédio ou fuga, cria uma dependência (seja do sentimento de completude ou da remuneração, ou de ambos).
Na economia dos bicos, o frila precisa juntar um monte de job, de culturas empresarias distintas, demandas de diferentes proporções e, muitas vezes, atividades totalmente diferentes uma das outras. É como o Julius, pai do Chris. Tá sempre enfezado, sempre com grana curta, e sempre atarefadíssimo. De manhã faz uma coisa, no almoço aproveita para dar conta de outra, de tarde já tem mais um corre e, de noite, descanso? Não. Bora completar esse salário.
O frila é o inverso da proposta geral da educação financeira. Não julgando o trabalhador, mas modelo ideal que prevê fazer renda extra e reserva de emergência. A vida do frila muitas vezes se resume ter a tal renda extra como principal faturamento e viver em emergência. É quando as entradas não dão conta do planejamento. Para se viver de bicos, a lógica é outra, a da montanha-russa. O ideal financeiro é pegar o momento em que está no alto para compensar quando estiver no fundo e poder, então, se deleitar na altitude de cruzeiro. É o sonho do frila.
Ao se orgulhar dos números, a Fiverr tampa buraco com rejunte. Em 2017 eram 190 países atendidos, com dez milhões de gigs postadas e 30 milhões de serviços vendidos. Mas aí vem a grande questão. O quanto. Só o frila sabe como dói receber pouca grana por muito trabalho. E quem recruta o frila também não está com grana excedente para bancar o preço à vera. Redunda numa minilicitação informal de preço mais baixo. O custo-benefício é uma ideia que foi, há tempos, corrompida: considera-se custo. Benefício releva-se.
E assim vamos construindo um ecossistema de trabalho cada vez mais precarizado, de dependência mútua, para embrulhar o peixe do almoço ou garantir o leite das crianças.
Coffice do dia: Adorável Café (DF)
Curiosamente, esta é uma das pouquíssimas casas de cafés especiais da gastronomicamente emergente Águas Claras, região administrativa do DF. Chamamos assim as cidades do Distrito Federal. Não é o corresponde a um bairro, mas nem sempre parece uma cidade mesmo. Aqui é tudo diferente mesmo, tá gente?. Esperava que a esta altura, Águas Claras tivesse uma forte cena de café como noutras áreas (Plano Piloto, onde bomba, mas também o Gama que tá cada vez mais forte).
O Adorável Café é uma dessas raras. São duas unidades: uma na rua, como prefiro (na quadra 301, com vista para o Parque Ecológico local; e outra numa dessas galerias meio shopping, com prédio residencial e estacionamento privativo, na Rua 25 Sul.
Ambas trabalham com cafés especiais (neste momento, servem o ótimo lote anterior da Mokado Cafés, chamado Antes de Mais Nada). Na primeira visita, lá no parque, fui de porção de pão de queijo e uma v60. Semana passada estive na unidade da galeria. Embora prefira a vista da outra, esta traz mais conforto, sobretudo para o praticante do coffice, na pequena área interna. Wi-fi estável, mesa um tanto pequena para se abrir o computador com espaço, portanto, é preciso entender que a pegada é para reuniões e trampos que exijam mais estrutura.
No menu, fui de espresso com a torta musse de chocolate. Não faz bem meu gosto, essa coisa da textura muito gelatinosa sobre uma massa mais crocante. Mas é bem chocolatuda pra quem curte. Também rolou um drinque não-alcoólico de cold brew, limão e água com gás bem refrescante. A casa investe em brunch e lanches mais fartos. A novidade são as torradas (toasts), especificamente da de cogumelos com homus.
Águas Claras tá começando a ficar bem servida de cafeterias.