Esta edição foi escrita acompanhada de um aeropress com grãos catuaí vermelho processados por fermentação anaeróbica (lavado) das Matas de Minas, produzidas por Odeir Schott no Sítio Santana, Chalé (MG), torrados por Civitá Cafés Plurais.
*Pauta sugerida pelo assinante e aluno, prestes a ser estagiário, Marcelo Garcia

Estagiário, fui encarregado de entrevistar Gonzaguinha (sim, uma década após sua partida); ligar para o Zoológico e pedir para falar com o assessor do Sr. Leão e me apresentar como foca; fazer levantamento de preços de cento de salgado pra festa da firma; instalar o novo software de fac-símile; e, claro, buscar café… pra todo mundo.
Estagiário não é profissão. É condição. Não que o mercado saiba a diferença. Afora o relatório a ser preenchido e entregue para o CIEE ou o IEL, basicamente a atividade do estagiário trata-se de mais uma categoria de trabalhador precarizado, mão-de-obra barata a ser explorada, sob a premissa da aprendizagem.
Estagiário, deve-se dizer, não é tudo explorado de igual maneira, é claro. Alguém há de argumentar: “Aqui é diferente! Estagiário é estagiário mesmo”. Ah, as exceções.
Estagiário fui por quase todo o período de faculdade e, anos depois, cheguei a implementar e gerir um programa de estágio na redação onde trabalhava como editor. Por mais que tentasse, com algum êxito, usar o estagiário como tal, a máquina de moer gente do mercado de trabalho encontrava formas de explorá-lo como a um profissional formado e remunerado em CLT.
Estagiário é notório por colocar os pés pelas mãos. E julgado por isso. Lembram-se da pérola de um título de reportagem sobre o estagiário de certo advogado relatado, segundo a internet, por um estagiário, do G1?
Estagiário virou bode expiatório para todos os problemas e infortúnios cometidos pela equipe, pela gestão, pela empresa, enfim, seja lá por quem for. Culpa-se o estagiário, pois demiti-lo não traz o peso dos encargos trabalhistas. Curiosamente, muitas vezes esta é a mesma filosofia por trás de sua contratação.
Estagiário, na verdade, deveria representar o ápice da maturidade do mercado de trabalho: preparar o aprendiz em formação profissional para as agruras do batente da “vida real”, à medida em que se transfere conhecimento, instrução ética e boa fortuna, com a perspectiva real de aproveitá-lo futuramente.
Estagiário, eu tive essa benevolência do mercado em ser alçado da cadeira do saco de pancada da redação para um foca celetista na redação do jornal. Enquanto estagiava não sabia tomar café. Até isso fora um aprendizado. Mas a verdade é que nenhuma chefia me tratou como estagiário, mas como um empregado de meio período. Ou seja, ser estagiário deveria ser haver compromisso com o processo de formação.
Estagiário compõe parte de um processo contraditório da cultura do trabalho contemporâneo, que parece querer contribuir para a formação do sujeito, sem formá-lo, e oferecer oportunidade de trabalho sem empregá-lo.
Estagiário não é nem um espresso - reconhecido por seu porte, encorpado e cafeinado - nem um café-com-leite, como um jovem aprendiz, menor de idade beneficiado por programa de inclusão no mercado de trabalho.
Estagiário seria o quê? Talvez um carioquinha, com açúcar, a desabrochar um interesse pela vivência daquela futura possibilidade de profissão que escolhera. Pode virar um café-com-leite, uma latte art, um ristreto de grande presença, um cappuccino cremoso ou um suave v60. A vida vai mostrando o caminho, com mais ou menos amargor; mais ou menos acidez.
Estagiário também é gente. Quanto ao patrão, num sei, às vezes tenho dúvidas.
Coffice da semana: Civitá (DF)
Civitá Cafés Plurais começou a operação no concreto armado do Venâncio 2000 - agora Venâncio Shopping, mas minha geração é arredia à nova alcunha do centro comercial. No entanto, a pegada desta cafeteria não estava vocacionada aos vãos anódinos de um shopping center. O endereço na W3 Norte (ou, como eles chamam, W 3 e meio, pois fica nas 700 de Brasília) tem um charme particular.
Outrora tomado por oficinas (ainda são muitas por ali), as 700 fortalece aos poucos sua vocação gastronômica. Para além dos self-services e dos botequins de PFs que alimentam a classe trabalhadora, pipocaram redutos mais gourmets e, portanto, encarecidos - a exemplo do Asa Gaúcha (que há muito deixou de atender o proletariado chão-de-fábrica), do Same Same e, agora, das várias cafeterias e da jovem Bitaca da Norte.
Sim, é importante frisar a questão social e de classe, pois é assim que o mercado gastronômico, como todos os demais se confluem na ordem da cidade contemporânea: em meio às contradições.
O Civitá integra um pequeno e qualificado roteiro do café - com certo aroma de hipsterismo ao longo da faixa escondida por detrás da via W3. Há desde uma loja de produtos para cafeterias ao Ahá Cafés, na 709, bem pertinho do Civitá, nosso coffice da semana. Até o fim da Asa Norte ainda se encontra a Adélia Padaria, o Marilda Café e o Antonieta (além de vários outros negócios entre cafés e confeitarias).
Aqui, no Civitá, temos um dos melhores trabalhos de torrefação e serviço de barismo da cidade, seguramente. Você pode encher a cara no refil ou escolher das várias opções de grãos para os diversos métodos de extração disponíveis. A comida não fica atrás. Há um ótimo brunch aos sábados, sanduíches legais, pão de queijo assado na hora e uma lista de doces que incluem bolos, tortas, cookie e o cinnamon roll, que me parece ser a banoffee da vez.
Disponibiliza, claro, água da casa, tomada, wi-fi e banheiro para completar sua estada visando mais um dia produtivo, ou não também, no coffice.
Adorei o artigo sobre estágio, inclusive levando aos odores do café - que já coloquei na minha agenda de próxima visita a Brasília - no Venâncio 2000, por uma questão pessoal: fui estagiária nesse Venâncio no começo do século XX.
P.S.: Que pena saber que o Asa Gaúcha não é mais tão popular quanto ainda registrava nas minhas memórias afetivas.