Entrar na linha
A expressão deve ser atualizada para fins de inclusão e alfabetização digital
Esta edição foi escrita acompanhada de um espresso simples extraído de uma La Marzocco, a partir de grãos produzidos por Jonas Vieira Maria Rosa, de Muniz Freire (ES), região da Serra do Caparaó, torrados por Los Baristas.
Quando Johnny Cash entoava os versos autobiográficos de Walk the line, mencionava a necessidade de, pelo bem do seu relacionamento amoroso, “andar na linha”. A expressão inglesa, neste caso, coopera com a compreensão em português. Apesar disso, recorremos ao estrangeirismo para extrair dela uma nova perspectiva mais abrangente e inclusiva: “on line”, consolidada on-line com o advento da internet para se referir ao acesso ao universo digital, ou “ponto-com”, como chamavam os incas.
No português, para se “andar na linha” é preciso antes “entrar na linha”. E esta última representa um rigor disciplinar a cada momento mais fora de tom para as relações de poder no mercado de trabalho (força ou autoridade, como apontava Foucault). Entrar na linha parece-me um resíduo escravocrata (a lógica de vigilância, ameaça e punitivismo do “se não quer tem quem queira”) e também militarista - que estrutura nossas bases educacionais (“mais um tijolo na parede”, segundo Roger Waters).
Achávamos que o trabalho remoto mudaria tudo isso, até determinadas chefias encontrarem novas formas para o exercício foucaultiano do poder com uma atualização da ronda pelas baias do escritório para o trabalho on-line: “Pode abrir a câmera e mostrar onde você está, por favor”? Ou “Vi que você postou no Twitter enquanto devia estar trabalhando naquele relatório”.
Entrar na linha (on-line) não deveria significar entrar na linha (observância rigorosa). Pode não ser a imaculada profecia do fortalecimento da democracia e crescimento de empatia preconizada por Pierre Lévy, quando teorizou a cibercultura e a inteligência coletiva. Mas, certamente, trata-se de um novo capítulo para agregar seres mais humanos - apesar da mediação da máquina.
Todo mundo, afinal, pode estar on-line. Bem, quase. Afora os casos de nações sob regimes totalitários, há outros entraves para se entrar na linha. Os empregos, jobs, trabalhos, frilas, bicos ou oportunidades de se ganhar a vida na conexão wi-fi ou via cabo são, ainda para pouquíssimas pessoas.
Se pensarmos em Brasil, o índice de desconexão mostrou seu absurdo durante a pandemia. Nas aulas on-line, em regiões que ainda tiveram essa possibilidade de estudar no ensino público, logo se depararam com outra limitação: ausência de dispositivos. Eram, em muitos casos, 1 ou 2 aparelhos celulares para toda a família. A ginástica de revezamento foi um drama. A situação não foi corrigida e muito menos a deficiência superada.
Ou seja, para se entrar na linha, deve-se promover políticas públicas de acesso à tal linha: estrutura de rede, de equipamento e, obviamente, de segurança alimentar, pois base de todo o processo educacional e trabalhista.
Outro ponto é a alfabetização digital. Após se obter o acesso e entrar na linha, para permanecer e andar nesta linha, é preciso aprender a dominar linguagens e o meio (software e hardware). Esta é uma questão que continua a ser um problema de classe, mas também afeta, sobretudo, pessoas mais velhas - mesmo inseridas na camada populacional que possui acesso ao bem físico da tecnologia não sabe utilizá-la.
O saber utilizar passa também por vários obstáculos. Não se trata de saber apertar os botões, as é preciso entender a operação comunicacional e relacional por trás dos aplicativos, para não se embananar no preenchimento de um cadastro de serviço público, por exemplo. E vai até onde esse processo de alfabetização precisa chegar. E, neste caso, a resposta é sempre a mesma: às comunidades.
Encerro, nesta chave, com o interessante artigo-depoimento do ativista Gilson Rodrigues, falando sobre a alfabetização digital promovida pela organização da sociedade civil G10 Favelas. “Propiciar a geração de recursos a pessoas menos favorecidas ajuda a reduzir as desigualdades sociais. As competências tecnológicas precisam estar nas mãos dos jovens pretos e das familias mais humildes”. Leia a íntegra aqui.
Agora, vamos às news:
Coffee of the Year 2022
Saiu a classificação das melhores amostras de café arábica classificadas no Coffee of The Year para este ano. A premiação do COY 2022 ocorre no último dia da Semana Internacional do Café (SIC), no Expominas de Belo Horizonte (MG), entre 16 e 18 de novembro.
Nada surpreendente a grande concentração de fazendas classificadas dos estados cafeeiros clássicos de Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo e Rondônia (sobretudo das regiões das matas do estado), com duas participações incidentais (acidentais, talvez?): do Cerrado do Distrito Federal (a Fazenda Novo Horizonte) e da Chapada Diamantina na Bahia (Boa Terra). Confira em detalhes na publicação feita pela Revista Espresso.
Serão 70 finalistas para a competição: 50 de arábica e 20 de canéfora. A SIC apresentará os dez cafés mais bem pontuados de arábica e os cinco melhores colocados de canéfora. A votação do público será após degustação às cegas.
Coffice do dia: Coffice & Go (DF)
Admiti logo nos primeiros escritos desta newsletter que coffice não é um neologismo supersofisticado. Conexão óbvia, nem por isso muito bacana. Quando me veio este termo, logo pesquisei na internet que já haviam feito tal associação em alguns negócios espalhados pelo mundo. Um lugar na Turquia, outro nos EUA e, coincidentemente, um aqui no Brasil, em Brasília - especificamente, no Setor de Indústrias, o SIA.
Chama-se Coffice & Go. Fica no térreo de uma dessas novas grandes edificações de salas comerciais fora do Plano Piloto. Fui parar ali por acaso. O carro na oficina e eu na salinha de espera, roteando celular com laptop no colo, todo troncho, aguentei meia hora.
Google Maps: cafeteria.
Por proximidade, pintou um tal de… Coffice na Praça Capital. Sete minutos a pé dali. Ora, ora, num é que fiz um coffice no Coffice?
Cafeteria modesta, espaço amplo, pois estão autorizados a espalhar mesas pelo pilotis do prédio comercial. A área do café é pequenininha, umas baias estilo dinner, tomadas em abundância e wi-fi decente. Não restam dúvidas sobre a vocação do local para o trabalho remoto. Porém, acrescenta-se ali o serviço que, aparentemente, é o mais requisitado de café para viagem (daí o “go”).
Cardápio enxuto, cara de franquia, mas com alguma atenção relegada ao serviço de barista. Não chega a ser uma casa de cafés especiais, mas provei um espresso bem tirado, guarnecido de sequilhos amanteigadinhos de castanha-do-pará. Funciona de segunda a sexta, das 8h às 18h; e, aos sábados, das 9h às 13h30.