Esta edição foi escrita acompanhada de um Capadócia v60 extraído de grãos catucaí vermelho e amarelo, produzidos por Augusto Borges, em São Gonçalo do Sapucaí, na Serra da Mantiqueira (MG), torrado e embalado por Ahá Cafés.
Café sem cafeína, cerveja sem álcool, futebol sem bola, Piu-piu sem Frajola… o resto da letra (fora a liberdade poética no início) você já conhece. Às vezes precisamos ficar assim, sem as coisas essenciais e convocar o prefixo “des”. Por princípio esta partícula considera o ato de desfazer. E, se há uma coisa que o trabalho remoto me ensinou é a necessidade oportuna de uma desrotina.
Antes, um enunciado. A rotina é um grande aliado do trabalho remoto. Aliás, era graças a ela que consegui (ou muitos de nós conseguimos) produzir sentido para o home office naquele primeiro ano de pandemia, sobretudo. Por exemplo, nos primeiro meses busquei reproduzir certa logística da vida normal para o bem da saúde mental: acordar, tomar café, tirar o pijama, se arrumar pra trabalhar, sair de casa e, neste caso, voltar pra casa e começar o dia de trabalho. Funcionou por um bom tempo.
Com a reabertura de tudo, passei a ter uma certa dificuldade com o home office. Daí o coffice. Encontrei na cafeteria o local ideal para fugir da rotina doméstica. Uma desrotina. Criar um hábito para combater outro mais antigo. Um desábito também, se preferir.
Não é o caso de perder a rotina, mas de provocá-la, estimulá-la. Um café bem cafezudo não basta. É preciso se despir do ritmo anterior e buscar novos passos para a rotina não cair na… rotina. O primeiro desafio do trabalho remoto em meio à pandemia, especialmente, era justamente o de se criar uma rotina. Passamos por uma desrotina forçada. O que funcionava como relógio já não dá conta mais da nova cadência.
Muito já discutimos sobre o fator de essa rotina pandêmica ter subvertido o próprio valor do trabalho remoto. As pessoas mergulharam em processos de burnout, sentiram-se mais exploradas ainda, pela necessidade de estar sempre conectado. Também era preciso desligar (o wi-fi, o pc, a tela, o celular).
Podemos olhar hoje de forma mais honesta para o trabalho remoto e pensar nas suas infinitas possibilidades, principalmente a de uma desrotina que nos leve a mudar o centro da nossa vida. Temos com o trabalho remoto a possibilidade real de substituir uma rotina pessoal orbita em torno do trabalho e colocar o trabalho como satélite desta rotina, que tem como centro a vida da pessoa. O trabalho que se encaixe.
A ideia da desrotina, portanto, compõe um movimento cíclico de desfazer-se de uma rotina e acomodar-se noutra para o benefício de reenergizar tal ciclo, mas sempre tendo em mente a centralidade da vida humana e não da exploração (mesmo a autoexploração) da força de trabalho. É como um descafeinado. Serve a um propósito. Não substitui, mas cria espaço para experimentar ficar sem, desfazer a essência e, então, reencontrá-la em uma nova xícara depois.
Coffice do dia: Gentil Café (DF)
“Gentileza gera gentileza”, pregava o poeta José Datrino nas até hoje famosas inscrições espalhadas pelos viadutos da Avenida Brasil, no Rio de Janeiro, a partir dos anos 1980. Datrino era mais conhecido pela alcunha que precedia o adjetivo de sua sentença: Profeta Gentileza.
E gentileza está no centro da prática da hospitalidade, exercício absolutamente necessário para uma cafeteria. Na Asa Sul, em Brasília (DF), há um ótimo café que colocou a premissa no nome: Gentil Café, Pausa & Prosa. Fica na 410 Sul. Ok, a marca usa o sobrenome da matriarca Sara Gentil, para dividir memórias de família pelas três filhas-sócias do empreendimento, Cristine, Patrícia e Michelle Gentil.
Mas o Gentil também não se restringe ao nome e, com um bom trocadilho, atende à vocação essencial para o serviço de restauração: a gentileza. Desde o serviço de balcão - valorizo um bom balcão de cafeteria, ouvir de baristas sobre métodos, processos e tal - até o atendimento à mesa e as sugestões dos ótimos bolinhos caseiros.
No preparo, o café é firmeza, grãos selecionados, métodos bem trabalhados e variados. No cair da noite costuma ter música ao vivo (confira no Insta delas para programação, com muito samba. Uma cafeteria boa da cabeça e saudável do pé.
Não obstante, também funciona como um coffice. Ao fundo há mesas com tomada e wi-fi, mas é preciso encontrar os melhores horários para tal atividade (prefira o início da tarde).