Esta edição foi escrita acompanhada pelo novo lote do Café da Maldiva, torrado e pela Honesta Cafés (Nathália Rodrigues e Gabrielle Maloy), a partir de grãos Mundo Novo, processados naturalmente por Malvina Duarte no Sítio da Água Nascente, em Carmópolis (MG)
Um primeiro contato com um método de extração de café coado como o v60 ou a Clever pode sugerir aparentemente um “café fraco”. Esta foi a convenção que aprendi com minha vó nonagenária, quando a sirvo com meus grãos especiais gourmetzões após o almoço de domingo. Um “chafé”, no eufemismo popular que o relega, na verdade a um “impostor”.
Nota: uma das sobrinhas dela tem uma plantação de café bem legal na área rural da Ceilândia (DF). Começou a embalar os primeiros lotes durante a pandemia. Visitei duas vezes, provei alguns lotes. “Muito potencial”, disse quando provei da última vez (realmente melhorou muito no espaço de um ano). Mas minha vó não gosta. “Café tem que ser forte, escuro”, define.
Gradualmente, demonstro a ela como um café extraído de grãos com torras mais claras e proporção correta de água impactam de maneira diferente o café, mantendo o característico amargor, mas abrindo para um universo sensorial enorme.
A Eunice, amiga da família que mora com ela, começou a comprar o L’or. Não é um cafezão especial, mas está acima das tranqueiras que frequentavam a despensa dela. Minha vó pode não ter percebido grande diferença, mas a satisfação geral com o café por ali aumentou sensivelmente.
Mas ela ainda considera um “chafé”, este belíssimo termo cunhado para provocar a insensata guerra entre cafezeiros e chazeiros. Tipo a treta de quem prefere gato versus quem é de cachorro. Não vai dar em nada, mas a gente provoca, discute, faz meme. Cresci numa casa sem café - mas esta história deixo para a reflexão da próxima semana.
E pensei demais no chafé como essa metáfora da síndrome do impostor, a recair em especial sobre nós, que vivemos da palavra escrita e por ela somos julgados, provados e remunerados. A síndrome permanece à espreita a cada esquina do pensamento e do parágrafo concluído.
E se o que chamam de chafé for, na verdade, um belo e raro varietal de arábica como o acaiá? Leve, suave, manso, claro… ainda é chafé? É chafé se vier com um sabor proeminente em nada insosso como o café diluído em água?
A propósito desta metáfora, aproveitei para pesquisar na internet mesmo sobre o que seria o chafé ou um café fraco. O Dicionário InFormal me diz que trata-se apenas de uma “bebida feita de folhas de café”, coisa que nunca imaginei. Mas, como suspeitava, outra definição é “gíria de café fraco”. E exemplifica:
- Vou fazer um chá com folhas de café
- Vou fazer um Chafé. Na Gíria: Eu gosto de café fraco - Eu gosto de chafé.
Não satisfeito, aproveitei o ensejo de uma palestra sobre o ChatGPT promovido pelo Centro Universitário UDF, onde leciono, e fui consultar o chatbot do Open AI sobre o caso. Pra quem não sabe ainda ou ficou meio boiando com a atual discussão, vale acompanhar os experimentos que a cientista Monica De Bolle tem feito. Há uma introdução ao tema, publicado no sábado, em sua newsletter Pensando Alto.
Fiz o meu próprio experimento:
Mas, daí, comecei a tretar com o chatbot da Open AI. De onde havia tirado tão imprecisa descrição para chafé? Pelo jeito se confundiu com pingado. Em resposta ao meu apontamento, o chat reconheceu (desculpe, tava doidão):
“Desculpe pelo erro na minha resposta anterior. Você está correto, o chafé é feito apenas com café e não com leite. A informação fornecida foi baseada em conhecimento gerado por meu treinamento, mas infelizmente não foi correta neste caso. Muito obrigado por apontar o erro. Eu sempre procuro aprender e melhorar”
E num é que a síndrome do impostor foi bater lá no algoritmo da inteligência artificial? Não basta o robô se assumir como autor, mas quer replicar até as nossas neuras e inseguranças pelo jeito.
Este é o chafé falando: café fraco, aguado, desequilibrado, malfeito. O chafé não é nem o cafezinho carioca (um espresso com uma medida de água) e, arrisco, dizer nem o mal-aventurado americano. Ele é apenas um erro - afora a real possibilidade de se infusionar as folhas de café.
Eis o impostor. Aparece quando a máquina desregula, se esquece da balança e erra na proporção do pó. Mas a síndrome pode te levar a fazer um belo dum aeropress ou entregar um formidável v60. É você saber escolher o grão, saber torrar, saber moer, saber extrair e ainda achar que está errado.
Concluo: a síndrome do impostor é uma autoficção criada para a autossabotagem. Ela pode esconder a sua melhor versão.
Ah, sim, acadêmico que sou não consigo deixar de citar as fontes, como vocês já costumam ver em ou outro texto da newsletter. Mas, como citar o ChatGPT? Não tem ABNT pra isso (ou tem? Não chequei). Mas perguntei ao próprio. O resultado está abaixo:
Bibliografia
Autor Anônimo. (2023, fevereiro, 5). Definição de Chafé [Chatbot]. Disponível em: https://openai.com.
Chafé. Definição por Dicionário InFormal (SP) em 26.09.2013. Disponível em: https://www.dicionarioinformal.com.br/.
Coffice do Dia: B de Berenice (DF)
A quadra residencial da 213 Norte de Brasília (DF) é daquelas muito bem cuidadas - condomínio deve ser caríssimo, claro. Dali você desce pelas calçadas por detrás do comércio e terá como destino o Parque Olhos d’Água. Favorecido por este itinerário seminatural, a cafeteria B de Berenice contribui para o “deboísmo” do cenário.
Cadeiras de praia por entre plantas e árvores vistosas emolduram com bucolismo a casinha charmosa de tijolos aparentes e mesas e sofás confortáveis do café. O local não é apenas um bom lugar para praticantes do coffice, mas também para esticar as pernas e perder-se no tempo. Tem wi-fi estável e pontos de tomada, banheiro ajeitado e água da casa na garrafa de gim de reuso - nota bem hipster de muitos espaços da cidade.
No cardápio, tudo é servido fresquinho, mas tenho reservas quanto às receitas do pão de queijo, do dadinho de tapioca e do pudim. O serviço é muito atencioso e cordial, até ou mesmo principalmente, com os pets. Bebidas bem legais, desde o café (mais simplão, sem variedade de opções de grãos) e uma limonada com coco para esses dias de verão.
Sim, o local é super pet friendly. Deixe-me elucidar: há petiscos exclusivos para os bichos de estimação. Melhor, posso ser ainda mais preciso: não só o local recebe bem os animais, como é batizado após ela, a cachorrinha Berenice. Olha ela aí no retrato no meio da prateleira:
Parece que só eu não brinquei com os robôs de escrever nos últimos tempos ( prefiro me ater aos primos deles, que fornecem imagens razoáveis). Quero conhecer esse Coffice aí!