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Esta edição foi escrita em um dia de calor acompanhada de um espresso tônica, elaborado pelo Manivela, com um blend de icatu amarelo, catuai amarelo e bourbon amarelo da Fazenda São Silvstre, torrados e embalados por Yes.
Primeiro emprego. Conveniado do governo local, lotado em uma repartição pública, portanto. Primeiro crachá que não era de identificação em atividades extraclasse. O crachá valia como identidade até. Cadastro em outras instituições? Crachá. Na entrada é na saída da firma, crachá. O segurança olha a cara. Olha o crachá. Diariamente, de segunda a sexta (mais alguns feriados), era cara-crachá, cara-crachá, cara-crachá…
Cara, crachá é café. De licitação. O dia na repartição pública começa com café. Em Brasília, nos ministérios, autarquias e secretarias, temos garçons a serviço do funcionalismo público. Trabalho fundamental para a lógica do produtivismo burocrático: crachá no pescoço e xícara sempre cheia de café. De licitação. Amargo, amargo como o trabalho desempenhado.
No entanto, nem tudo era prisão no trabalho sistemático de uma repartição pública. Lá pela quarta-feira, rolava uma festinha regada a coxinha, refri e café. Café novo para a ocasião. Mas de licitação.
Na quinta, mesmo de xícara cheia, pegávamos um passe para fora da clausura das divisórias e das baias para tomar um café fora dali. Sexta era aquele almoço prolongado, uma feijoada ou um fast-food tranqueira no shopping. Depois descia o grupão andando junto vagarosamente fechando a calçada para os transeuntes sem a estabilidade do corre.
Todo mundo ostentando aquele colar de cores institucionais, com o grafismo do órgão público ao longo da fita. Ao final da correia, símbolo do grilhão, o crachá dependurado, balangando contra o vento. Os mais sutis enfiavam a chapa do crachá no bolso da camisa, mantendo a fita ao redor do pescoço como um ato de libertação.
Adorava usar crachá. Por todas as vezes em que me vinculei a algum órgão público ou privado, mantinha no peito o crachá da firma. E não era por orgulho. Era por pertencimento. A foto horrível, sem contraste, com olhos arregalados e o papo com uma dimensão desproporcional ao da vida real, apresenta fundo branco acinzentado, cabelos tronchos e um meio-sorriso à Monalisa que resultava num olhar taciturno insone.
Mesmo assim, o vínculo que este péssimo retrato - grudado na camisa por 8 horas diárias - permitia era de um lugar no mundo.
O sistema do trabalho pós-industrial implantou uma filosofia capaz de aprisionar o trabalhador - como o fizera na era da revolta do proletariado do início do século 20 e das manifestações sindicais até o final do novecentos. Por outro lado, também capaz de agregá-lo e afagá-lo com o afeto do almoxarifado.
Isto é, há uma sacralização afetuosa do local de trabalho. Um vínculo, um conforto que muitas vezes podemos reconhecer como comodismo, associado aos objetos e aos recônditos da firma. Encostar no trampo, protegido pela estabilidade do crachá, faz crescer raízes. É a cadeira com aquele defeitinho ergonômico com o qual se acostumou tanto, a ponto de não ser mais desejável uma nova.
Passada uma pandemia e o inevitável desgaste dessa prática da jornada oito-às-seis, está cada vez mais reconhecido como um aprisionamento contraprodutivista. A reunião que poderia ser um e-mail ganha contornos óbvios com o distanciamento do presencial.
Daí vieram os americanos com mais outro termo anglófilo sugerindo um modelo como provável solução: o coffee badging. Numa tradução livre minha, seria algo como o cara-crachá-café.
Tento explicar. Coffee badging é o termo atribuído para uma nova forma de manutenção do trabalho presencial, no qual o funcionário dá as caras na firma só para aquele cafezinho inicial, uma interação com saudações de bom dia pra lá e pra cá, talvez uma atualização rápida das demandas. E, depois disso, se manda para trabalhar remotamente, em casa (home office) ou pelas imediações, em alguma cafeteria, talvez (o coffice).
Coffice da semana: Yes, Nós Temos Café (MG)
Conheci a torra do Yes, Nós Temos Café à distância, durante a pandemia. Pedia online lá em Belo Horizonte e eles entregavam nacionalmente. Faziam um café chamado Da Rosa, que era perfeito para o dia a dia sob isolamento.
Enfim, conheci a cafeteria, numa galeria comercial na Savassi, voltada para a rua, o que confere uma característica mais belorizontina e também mais apropriada para um café clássico.
O menu não dispensa a mineiridade, portanto, claro, há pão de queijo, que faz ótima companhia ao café de variedade Arara fermentado passado pela V60. Mas faz uma dobradinha com a confeitaria francesa: macarons e croissants.
Mas, me ative aos cafés. Cheguei cedo e conheci o Luiz Fernando, enquanto abria as portas e regulava a máquina de espresso. Ele comanda a operação ali e, há três meses, também no café dentro do MM Gerdau, o Museu das Minas e do Metal, na Praça da Liberdade. Tomei o ótimo espresso tônica, citado no início, elaborado pelo barista Manivela.
A loja na Savassi é mais apropriada ao coffice, com mesas espaçadas entre clientes no lado de fora e de dentro, wi-fi, água da casa e algumas tomadas.