Esta coluna foi escrita acompanhada de um Orange Candy, do Cerrado Mineiro, produzido por Edu Melo por processamento natural de fermentação anaeróbica, no método Clever.
A dinâmica do trabalho remoto atende por diversos nomes e possibilidades. Há o teletrabalho, o home office, o híbrido e mesmo o coffice, ao qual essa publicação se propõe apresentar e se dedica a estimular.
Certo porta-voz da Nasa, dia desses, apontou a possibilidade de um “space office”. Segundo essa previsão, até 2030 estaríamos vivendo no mundo da Lua. Literalmente! É viver numa aldeia lunar com respiração artificial (cápsulas? bolhas?). Morre a poesia da expressão popular à qual nos habituamos usar para designar viajandões, divagadores, distraídos, lunáticos.
Esse é um debate que ganha contornos oficiais desde maio de 2020, quando começaram a ser desenvolvidos os Acordos de Ártemis, espécie de pactos de exploração lunar para estabelecer os princípios normativos da vida e do trabalho na Lua.
Curiosamente, o modelo do café na lua já foi desenvolvido: encapsulado, liofilizado, solúvel. Só os métodos-tranqueira, imagino. Será que teremos fazendas de café na lua? Terroir nível Mantiqueira, Caparaó, Mogiana, Etiópia, Colômbia…? E a torra? Já irá torrado? Hoje a legislação sequer permite (fora casos específicos) importação e exportação de grãos crus. Vamos mandar pra Lua agora?
Não me imagino praticando um coffice em pleno espaço sideral. Não imagino, na real, qualquer modalidade de trabalho remoto por ali. Aliás, pode parecer bobagem, morro de medo de frequentar ambientes sem… oxigênio! Fundo do mar e o vácuo estelar não são destinos lá muito atrativos pra mim. Deem notícias de lá depois.
Viver no mundo da lua, a metáfora, parece-me mais agradável. Este destino frequento regularmente - e considero necessário, sobretudo para quem pratica o trabalho remoto. Por maior que seja a flexibilidade ou a mudança de cenário oportunizada pelo nomadismo digital, a cabeça precisa de um deslocamento maior da realidade, do batente, dos prazos e das demandas, mesmo em meio a elas.
Talvez sirva de inspiração para vocês, frequentadores desta cafeteira-escritório do ciberespaço. Quando chego a uma cafeteria para plugar o computador e trabalhar, sempre dou uma viajada. Imagino como se aquelas pessoas capturadas pela minha visada, num instante nada decisivo, participassem da mesma dinâmica de trabalho, de encontros ou meramente do resultado daquele mesmo flâneur que me transportou até ali.
“Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”, ensinou-nos o Pequeno Príncipe, na prosa de Antoine de Saint-Exupéry.
No mundo da lua, consigo reconhecê-los, conjecturar suas jornadas de vida e encontrar muitas vezes o ânimo de seguir adiante. Sem trocar olhares ou palavras, me acometo de um sentimento de solidariedade, senão de companheirismo de quem divide a labuta.
Uma cafeteria, como muitos outros lugares de encontro favorecidos pelo caráter agregador da mesa, mas principalmente ela, permite-nos a experiência da realidade distópica. Aberta durante o dia, com um puxadinho da noite, o café é um lugar de travessias:
do nômade digital, que a elege para trabalhar; da equipe que ali atende a clientela; do leitor com desejo de escapar da solidão do quarto; dos ambulantes com panos de prato, docinhos e cartela da loteria para fazer o ganha-pão em momento de grave crise econômica e social; dos passageiros errantes, dos amantes desvanecidos, dos amigos de outrora, das reuniões fortuitas ou amiudadas.
Eis o mundo da lua em que, de repente, me encontro ao pousar diante de uma xícara de espresso: humano, oxigenado pelas relações sociais, com todos seus conflitos e contradições. Meu ideal space office é, na verdade, um simples coffice. Lugar modesto, se comparado a esse padrão Nasa, provavelmente à serventia de pesquisadores, cientistas-astronautas, ou dos ricaços - insatisfeitos com o repasto terreno querem também apatacar com os insumos lunares.
Curiosamente, essa possibilidade de um escritório espacial remete justamente aos dilemas do office space, seu literal antônimo e ainda modelo mais praticado no mercado de trabalho ocidental, do sistema capitalista no qual estamos inseridos. Este termo que caracteriza aquela configuração clássica de um escritório dividido em cubículos ou baias.

O office space tem se mostrado cada vez mais insustentável. Não somente pela ampla adesão aos modelos remotos pela emergência da pandemia, mas pelas próprias relações humanas. Os cubículos com divisórias (serão as cápsulas de oxigênio na Lua?) se apresentam formatos falidos. Não mais falidos do que o sistema de trabalhista a aprofundar os abismos sociais, com a uberização das atividades profissionais como signo de uma suposta modernização da dinâmica capitalista.
Como seria um café na Lua? Googando por aí esbarrei numa aparentemente simpática cafeteria canadense chamada Coffee on the Moon. Já arrancaram na frente da corrida lunar para expansão galáctica da marca - fica a dica.
Mas um café na Lua tal como estamos discutindo, deve considerar a ambição desmedida e fútil da última corrida espacial de bilionários. Não me parece sair daí um ambiente muito propício para o trabalho, muito menos para se superar a cultura muitas vezes tóxicas de seu ambiente. A considerar o modus operandi dos tais “donos do mundo”, que certamente já devem anelar serem donos da lua, as condições e relações de trabalho vão ficar ainda mais distantes do que a gente ainda conhece como humanidade.
Coffice do dia: Vértice Café (DF)
O ponto oposto mais afastado da base, onde todos os lados da pirâmide se convergem. No emaranhado de ruelas, em meio ao alvoroço de Taguatinga Centro (DF), pode-se dizer que uma cafeteria cumpriria bem a função de vértice de uma região como essa. O nome muito apropriado fui cunhado por Felipe Martins para o Vértice Café, que abriu com a família em meio à pandemia.
Início conturbado, afinal, o projeto é anterior à crise sanitária da Covid-19, e o timing foi dos piores. Bom ver que sobreviveu ao primeiro ano de operação. Cheio, com horário estendido de funcionamento e com um espresso muito melhor regulado. O lugar é muito amplo, com espaços para quem quer ficar mais quietinho trabalhando, próximo a uma tomadas e para largar a molecada no jardim urbano do lado externo, rabiscando com giz a enorme parede de lousa - vale pra adulto também.
Conheci a Vértice lá no início a convite do Felipe, e cheguei abrindo o laptop e lançando o pedido básico que faço em toda nova cafeteria a que chego: um espresso e um pão de queijo (se assado na hora). Seleção ótima de grãos (o local Mokado, o internacional panamenho Unido), serviço de barista nos trinques. E, claro, wi-fi, água da casa, tomadas e mesas estratégicas.
Aliás, o Vértice é um desses cafés que se assumem “coffice”, literalmente. O convite foi feito lá na página do insta deles:
Bem, o roteiro da Coffice está ganhando corpo. Aproveitem para consultar as edições pregressas e descobrir lugares legais para tomar um café, trabalhar, promover encontros, ficar de bobeira ou estudar.