Esta edição foi escrita acompanhada de um aeropress Vale do Empoçado, um 100% arábica capixaba da variedade Catimor, produzido por Anilar Vargas e processado pelo método honey
Uma das maiores discussões dos últimos três anos se sustenta ainda na polarização entre os modelos de trabalho remoto e presencial, com o híbrido representando uma terceira via. Cheira a café novo, passado agorinha, mas o caminho dessas novas relações era preconizado desde as primeiras teorias pós-modernas. Afinal, este sujeito da era que desemboca no século 20 e se lança para o 21, carrega sintomas de uma identidade fractal e polarizada construída por um século e não só pelo advento da internet.
Vivemos há muitas décadas em uma “aldeia global”, termo cunhado pelo canadense Marshall McLuhan, cujo prisma de leitura do “novo século” era teorizado desde os anos 1960, pelo menos. Gosto bem das ideias do McLuhan, embora respeite a crítica regionalista postulada por Ariano Suassuna — mais uma anedota direcionada a argumentos de terceiros acerca dele do que das ideias do "cabra” propriamente dito.
Mas, não vamos discutir se ou como a tecnologia supera ou superaria o livro. Pelo contrário, não imagino nem que seja esse o interesse de McLuhan ao se referir à era do homem tipográfico, em sua Galáxia de Gutenberg. A ideia de uma é mais abrangente para pensarmos o fenômeno do trabalho remoto neste momento — haja vista que este modelo existe basicamente desde a web 2.0.
A questão da crítica ao livro (e nem é direcionada ao livro) está menos no suporte literário como necessidade, permanência e criação de lastro e memória física e mais no entendimento de que a cultura, Ocidental sobretudo, caminhou para um aprisionamento dos sentidos, mantendo o meio visual-tipográfico como o único a reunir a experiência do aprendizado.
Assim, ao chegar ao entendimento de que o nosso mundo aponta para uma dinâmica como a de uma “aldeia global”, McLuhan propõe que vivemos justamente sob o jugo de outra forma tipográfica, agora traduzida em “bits, bytes e pixels”.
“A nova interdependência eletrônica recria o mundo à imagem de uma aldeia global”
A escrita, neste novo percurso da humanidade tecnológica substitui a escrita pela mediação audiovisual. De um lado, aproxima as pessoas e democratiza o aprendizado pelo retorno à oralidade. Por outro, o signo da escrita sucumbe e gera uma cultura de graves problemas comunicacionais.
Aqui chegamos à discussão propriamente acerca da polarização do trabalho. Um signo é substituído por outro. O analógico (tipográfico) pelo eletrônico (imagético). Ou, neste caso, o trabalho presencial ameaçado pelo remoto digital.
É preciso entender que o ser humano no século 21 é formado tanto pelo tecido biológico como pelo corpo eletrônico acoplado a ele. O bluetooth seria um dos melhores exemplos deste neociborgue que nos tornamos. O celular se encaixa no bolso, na bolsa, na mão. Em passe de mágica (só para não ter que pesquisar e escrever aqui como esta tecnologia funciona tecnicamente), entramos em contato com pessoas por um ponto no ouvido ao redor do mundo.
Aldeia global, este estreitamento de relações on-line do mundo que permanece físico. Isolados como numa aldeia e conectados como numa rede social. Não há separação entre esses corpos. Por que haveria de ter entre o sistema de trabalho, que já precisa recorrer justamente a essas tecnologias?
Assinaturas eletrônicas, videoconferências, WhatsApp, inbox e até apps personalizáveis correspondem a uma necessidade do mercado de trabalho. Mas há forças em disputas, num âmbito político da cultura corporativa, que insistem em resistir à própria natureza da nova ordem laboral, em que presencial e remoto devem coexistir e se interdepender. E não rivalizar.
No entanto, continuamos vivendo e transitando entre esses dois mundos, como se fossem separados. A polarização, por este prisma, parece tola. Mas ela existe graças a um glitch comunicacional que insiste em separar a vida on-line da off-line, como se a vida fosse uma versão beta e bugada do Second Life. O on-line, hoje, é condição, não opção.
Ah, se entendêssemos essa diferença…
Coffice do dia: Oop Café (MG)
Uma das melhores cafeterias de Belo Horizonte, o Oop Café é parada obrigatória para quem procura um serviço de barismo de qualidade na capital mineira. Seria um coffice perfeito também.
Aliás, é uma vocação do local. Em duas oportunidades em que fui à casa, o espaço interno se mostrava tão convidativo à atividade laboral que estavam quase todas as mesas do fundo ocupadas por cofficers.
E por que não é um coffice ideal? Por algum motivo que a atendente não conseguiu me explicar, não há wi-fi para clientes. Temporário, talvez? Não sei. Mas, cofficer preparado que sou recorri ao roteador do celular mesmo, pois o espaço é ótimo, com tomadas ao lado da mesa, pão de queijo bom e que não depõe contra a tradição da cidade e ótima carta de cafés — encontrar um Catimor capixaba, assim, numa cafeteria não é mole.
Ao lado do balcão fica uma prateleira com os cafés para você levar para casa. Na área externa o espaço é dedicado a quem vai só fazer aquele lanche, encontrar amigos. Não costuma ficar muito, muito cheio.