Esta coluna foi escrita acompanhada de um café bem marromeno, da Três Corações, aquela linha Rituais, porque era o que tinha, numa semana de atividades atípicas. É ok para o dia dia. O método foi da moka italiana, um dos meus favoritos.
Quando foi que troca de figurinhas para o álbum da Copa e os jogos de bafo deixaram a dinâmica espontânea para se tornarem atividades absorvidas e promovidas pela cultura do entretenimento regulamentado pelo varejo? Talvez tudo tenha começado com os sábados de algumas bancas de revista que promoviam esses encontros lúdicos.
Mas foi tudo falseado pela apropriação dos shopping centers, ao destacarem espaços físicos de lojas - especialmente nesta temporada - para tal prática. É o espaço gourmet da troca de figurinha. Saem os pátios, o chão e vamos higienizar as mãos e jogar bafo sobre a mesa e sob a tutela dos novos bedéis.
Fora isso, a Copa integra o sistema da indústria cultural - e também o do lobby político. A Copa exige, por onde passa, uma mobilização das estruturas cada vez mais eugenistas e, claro, gourmetizadas. O estádio clássico perde a função, a memória, a arquitetura e até o nome - quase nos arrancaram o Mané Garrincha em Brasília por um insípido “Estádio Nacional”. Desapareceu a geral. Os preços subiram e o povo desceu.
A “escolha” do Qatar como país-sede é um sintoma dessa assepsia estética do espetáculo futebolístico para o enquadramento da câmera e a sofisticação esnobe para a qual a gourmetização da Copa aponta. Tanto faz ser no Brasil ou no Qatar. As cidades ou países-sede podem ter ou não algo a ver com o futebol. Não importa mais. São como praças de alimentação: padrão, eficiência, rotatividade, lucro, mas de sabor não há nada. Análise de Tales Torraga pro UOL sobre o que esperar deste Mundial foi na mosca: Qatar X Equador, pior jogo da Copa, prova que Fifa não liga para futebol.
Pois a copa segue caminho semelhante ao da Copa. Espaço reservado para passar o café e esquentar a marmita, a copa é um quase cômodo notoriamente modesto e até simplório. A térmica, a cafeteira elétrica ou o pano escaldado para coar o café no atacado, espremido com uma pia, uma geladeira, uma pilha de pratos duralex e o forno de micro-ondas, de onde escapam os mais diversos e polêmicos odores - sempre tem alguém para estourar uma pipoca sabor queijo e empestear a firma toda.
Essa copa, lugar de encontro, fofoca e de briga pelo último pedaço do bolo do aniversário da Jussara, deu lugar também à eugenia. Saem os coadores de pano e de papel, entram as máquinas de café em cápsula, e que cada um deve adquirir a sua. Para as refeições, a copa deixa de guardar a bóia trazida de casa para sediar refeições entregues por aplicativo.
A copa, como a Copa, revela nossa submissão ao jogo e ao jugo da contemporaneidade, ou seja, dos dilemas de se adaptar para novas formas de consumo diante da perda do encontro com o outro. E não só o encontro físico, do toque e da conversa.
No ambiente de trabalho físico, costumávamos em muitas firmas assistir aos jogos da Copa na copa - ou de alguma forma coletivamente. Sempre tinha aquele setor com uma TV dando sopa e reunia um monte de gente espiando um Argélia e Eslovênia da vida.
Agora vamos à copa pegar o café que nos acompanhará no jogo da Copa passando numa aba da tela do computador ligada no streaming da Globoplay.
Tanto a Copa como a copa, mostram os sintomas de um espírito comunitário pouco caloroso e cada vez mais individualista, embora conectado. Passamos a ter o outro como objeto de nosso cada vez mais evanescente exercício de alteridade.
Coffice do dia: Meet Coffee & Co.
Fui parar no Meet Coffee & Co., uma nem tão recente novidade na fortíssima cena de cafeterias da Asa Sul, em Brasília, por indicação do amigo enófilo Eugênio Oliveira. Mas ele não me falou do café, o interesse era outro: um fondant de chocolate. Esta é uma rara sobremesa de se encontrar. Afinal, trata-se de uma dessas preparações chocolatudas muito confundidas com seus pares americanizados, como petit gâteau (que tá mais pro coulant) e brownie (que é quase um fondant).
Noves fora, esqueci-me de provar do acepipe que aplacou o périplo de Eugênio atrás dessa tortinha. Estava com muito trabalho para resolver no coffice e fui logo pedindo um espresso de largada e procurando uma tomada. O salão tem um bom tamanho, mas há uma só mesa apropriada para acomodar quem busca usar a cafeteria como escritório. O wi-fi é ok, como a regulagem do espresso. Balcão bacana, atendimento um tanto vacilante. Queria um macaron para acompanhar o café, mas não conseguiram me informar precisamente os sabores disponíveis.
Mas é uma casa simpática. Espero retornar em outro momento na expectativa de uma melhor experiência. Ah, sim, a marca tem duas unidades. Fui na da 311 Sul. Tem outra na 610 Sul.