Esta edição foi escrita acompanhada de um café coado do catucaí vermelho da Honey Coffe, Fazenda Boa Vista (MG), torrado e selecionado por mim mesmo no Ernesto Cafés Especiais
Um dos sintomas da fadiga social que vivemos hoje tem seria, certamente, a ausência de foco. Byung-Chul Han, a quem já nos referimos um par de vezes por aqui, tão bem descreveu a consequência deste fenômeno como uma “autoerosão”, uma espécie de esvaziamento de si — de forma paradoxal resultado de um modo de afligirmos a nós mesmos. Esta reflexão está no livro-conceito do pensamento do filósofo sul-coreano radicado na Alemanha, “A Sociedade do Cansaço”.
A partir desta leitura, à qual volto de tempos em tempos para me ajudar a compreender esta geração, penso sempre nlem algum sintoma. Na última leitura, me veio o foco. Ou seja, em para onde nosso olhar costuma ir. Um olhar que não é pessoal, mas um olhar do imaginário social.
Primeiro, vemos sempre a nós mesmos. O outro está sempre fora de foco. Até mesmo em tragédias, como a recente catástrofe no Rio Grande do Sul. Um primeiro esforço de empatia passa sempre não pela consideração às vítimas, mas pela nossa própria postura diante disso. As nossas histórias ou os nossos esforços para se fazer chegar socorro até lá, por exemplo.
Não quero acusar a ausência do socorro, nem criticar qualquer legítima mobilização. Contudo, aponto para a necessidade automidiática inerente às atuais formas de comunicação. Narramos a nós mesmos o tempo todo. Ao se referir ao outro, não nos subtraímos desta narrativa, afinal, a história é contada pela nossa perspectiva.
Há esta ausência de foco: a da alteridade, para onde aponta justamente o compêndio filosófico de Han. Porém, foco não pertence apenas a este olhar social-pessoal em benefício da narrativa. Foco também pressupõe concentração.
As tarefas em mão requerem foco para sua completude precisa e eficaz. Sejam elas mais braçais ou cerebrais, envolvem uma regulagem focal. Ruídos brancos, vídeos satisfatórios (ASMR), técnica pomodoro… são inúmeras as muletas que usamos para amplificar o foco numa atividade.
Há quem precise de ambientes caóticos, barulhentos e hiperprodutivos — meu caso, criado jornalista em redação de jornal com três TVs sintonizadas em canais diferentes, gente gritando e telefones histéricos. Há quem exija silêncio bibliotecário, sem distrações.
Este foco laboral tem sua ênfase na entrega, no serviço. Minimizar erros, amplificar o rigor dos processos.
Mas o foco que, muitas vezes, falta a nós que trabalhamos, do chão de fábrica ao mais alto posto possível, é o foco no futuro. Uma vez que o presente sempre nos rouba a atenção por sua vocação dadivosa, é o futuro que confere sentido à jornada.
Este caminho a percorrer no futuro não exige apenas o foco na tarefa, cuja completude será recompensada dias ou meses depois (um salário, um frila a receber, um contrato a vingar). O foco no futuro requer uma mudança na perspectiva do presente. Será preciso abrir um espaço de autocrítica e autopercepção no meio da correria do presente, por onde escoará a centelha de esperança e fé na mudança ou nos planos do porvir.
Continuaremos na próxima quinzena esta breve série que aqui começa com o foco. A seguir, abordaremos a força e, por fim, a fé, completando o neo-provérbio popular.
Coffice da semana: Ernesto Cafés Especiais (DF)
De volta a ele. Ernesto integra o que chamo de segunda onda do café especial em Brasília. Embora a primeira não tenha sido bem uma onda, é importante ressaltar o importante papel precursor desempenhado por Belini, Universal Diner, Café Cristina e, mais tarde, o Grenat. Ernesto Café, hoje Ernesto Cafés Especiais, compôs a prolífica cena dos anos 2010 no Distrito Federal, ao lado de contemporâneos não menos excelentes, como Objeto Encontrado, Los Baristas e Clandestino.
Hoje destaco especialmente o Ernesto da 108 Norte, a segunda e maior unidade, tornada também na torrefação da marca. Afinal, Ernesto se tornou uma verdadeira grife do café especial. No Insta mostrei o Ernesto Norte recentemente pelo privilégio que tive de torrar uma batelada de um Catucaí Vermelho, sob a tutela de Luciana Araújo e Marcelo Ribeiro.
Como resultado da fama, o Ernesto lida com algumas questões complexas — nada a respeito do café que produzem, mas do serviço de cafeteria mesmo. Há certa falta de consistência e regularidade em atendimento e em preparos, embora mantenham sempre matéria-prima de ótimo nível, desde os lanches à boa padaria. Ainda não passei pelo novo cardápio de refeições.
O serviço do café, diferentemente do café torrado, moído e selecionado na casa, sofre com um problema que toda cafeteria gostaria de ter: muito movimento. Ainda é uma equação que a casa precisa resolver, apesar de sua grande evolução, principalmente na Asa Norte nos últimos tempos.
Fazer um coffice no Ernesto é possível, mas não muito fácil. A casa está sempre lotada, e os melhores cantos para sentar para trabalhar um pouquinho por ali, enquanto toma um bom café é na área interna, com lugares bem aconchegantes, mas poucos; ou no balcãozinho externo.
Cofficers serão bem-vindos, porém, não necessariamente conseguirão um lugar para conexão.